O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street) 5/5
Direção: Martin Scorsese Roteiro: Terence Winter, adaptado do livro de Jordan Belfort
Elenco Leonardo DiCaprio (Jordan Belfort) Jonah Hill (Donnie Azoff) Margot Robbie (Naomi Lapaglia) Matthew McConaughey (Mark Hanna)
Nos anos 80, quando Wall Street era uma terra de charme, dinheiro e cocaína, Jordan Belfort se junta aos corretores do distrito financeiro mais famoso do mundo. Logo ele começa a ter sucesso, usar drogas, transformar o escritório em um pardieiro e, basicamente, viver a vida da forma mais ensandecida possível.
Não fosse a troca para a tecnologia digital, qualquer pessoa poderia achar que o copião de O Lobo de Wall Street foi revelado em uma latinha de energético: o filme é intenso, forte, rápido, divertido, engraçado e completamente empolgante. É, assim como Cassino (também dirigido por Scorsese), uma história de crescimento financeiro baseado em atividades no limbo entre o legal e o ilegal - só que a nova película troca a violência pela loucura da riqueza, consumismo e luxúria. De certa forma, imagino que O Lobo de Wall Street seja o equivalente fílmico a cheirar cocaína, o que faz sentido, visto que esta é um elemento importante da película.
Assim como anões.
Para isso, Martin Scorsese cria uma atmosfera enlouquecida não só na mise-en-scène - onde tudo é intenso e gritado e gestual e acaba de alguma forma com mulheres nuas -, mas também na forma, com a montagem ágil e a câmera constantemente em movimento (naqueles travellings elegantes que o Scorsese sabe fazer muito bem). É uma construção assaz inspirada, que se aproveita da quebra da quarta parede, câmera lenta, tela congelada e flashbacks rápidos (o do carro e o do avião, por exemplo) para tornar a coisa toda mais dinâmica - claro, o diretor usa esses recursos com parcimônia, sem exagero, para não tirar a atenção do que está acontecendo em quadro. É importante que a forma reforce a atmosfera da cena, e não chame a atenção para si mesma (imaginem um filme desses dirigido por Guy Ritchie e vocês terão uma ideia).
E é uma decisão mais do que acertada para companhar a trajetória de Jordan Belfort, que, com frases do tipo "e eu fiquei puto da cara porque era menos de um milhão por semana", personifica toda a loucura que sempre se imaginou de Wall Street. Claro, o roteiro faz questão de mostrar o quanto ele é dedicado, competente (a cena onde todos param para ver ele trabalhar) e patologicamente apaixonado pelo que faz (as conversas por telefone onde ele fica gesticulando para o interlocutor), transformando-se em uma pessoa arrogante o suficiente para achar que pode subornar dois agentes federais - um comportamento que divide com Donnie, mais um tresloucado repleto de falas épicas ("quer cheirar carreiras de fermento, é isso?") e que ajuda Jordan a transformar a Stratton Oakmont no pardieiro definitivo. Percebam que as características dos dois são tão fortes que, a partir de certo momento, aceitamos toda a balbúrdia da empresa como algo natural. A megalomania da dupla, regada a muita cocaína e quaaludes, é ilustrada de forma brilhante por situações completamente absurdas e que, muitas vezes, humilham a palavra "épico" (aquela cena envolvendo os quaaludes poderosos sem dúvida constará de qualquer lista de melhores momentos em 2014. E recém estamos em janeiro).
Além disso, a narração em off é bem utilizada para explicar e avançar a história sem jamais ser excessivamente didática, o que acaba a tornando mais um dos elementos divertidos do filme ("é como tomar sol antes dele aparecer"). Mas o problema é que, no meio dessa diversão total e absoluta, não há muito espaço para caracterizar as personagens: praticamente todas falam do mesmo jeito e reagem do mesmo jeito e buscam a mesma coisa. Ok, dá para entender isso como uma generalização ao espírito de Wall Strett, uma declarção de que todos ali eram fora da casinha, mas isso diminui o envolvimento com qualquer situação mais pessoal (o drama de Jordan no final, por exemplo). Aliás, há uma tentativa de arco dramático extremamente desnecessária, colocando o protagonista inicialmente como alguém buscando trabalhar de forma honesta: a caracterização inicial, "do bem", e tão rápida e superficial que jamais gera impacto, tornando frases como "você virou uma pessoa completamente diferente" soam deslocadas feito a canela do Anderson Silva.
Já o elenco surge completamente em chamas, terraplanando tudo e todos à sua frente com atuações poderosas. Começa com Matthew McConaughey (o grande "como assim?!" de 2013) construindo um Hanna gestual e amalucado - mas repleto de carisma - e continua com Jonah Hill, que encarna Donnie com a intensidade de um gordinho tentando se vingar de tudo que os gordinhos sofraram na infância, criando sequências memoráveis (como a do peixe) e utilizando sua habilidade ímpar de xingar para tornar tudo ainda mais megalomaníaco (além de usar trejeitos um pouco mais femininos, denunciando a dubiedade da sexualidade do sujeito). E se Margot Robbie consegue encantar com seus olhares e sorrisos e beleza (certamente a atriz foi feita no Photoshop e criada usando uma impressora 3D), Leonardo DiCaprio tem a grande atuação de sua carreira, transformando Jordam em uma força da natureza, a energia em forma de pessoa, sempre falando alto, sempre tendo certeza de sua posição e sempre doando 100% de tudo que tem (um contraste interessante com o Jordan mais jovem, que chega para conversar com Hanna falando de forma bem mais tranquila e baixa). O ator ainda tem certa dificuldade de se perder na personagem, especialmente nos momentos mais íntimos, mas é seguro dizer que carrega O Lobo de Wall Street de forma épica.
Enquanto isso, a parte técnica pode se comportar de forma tão megalomaníaca quanto Jordan, pois atinge níveis definitivos de qualidade - e é uma pena que os efeitos especiais do filme, completamente "escondidos", talvez jamais tenham o reconhecimento que merecem. E boa parte da função deles é em prol da direção de arte, que se encarrega de mostrar os exageros daquele mundo, com cenários sempre grandiosos e luxuosos, decorados quase como palácios, ao mesmo tempo em que transforma o escritório em um ambiente despojado ao variar os tipos de terno e colocar alguns figurantes sem o paletó (e é interessante perceber que, quando era "honesto", Jordan vestia um terno cinza claro, ao passo que depois que a "sujeira" começa as cores ficam escuras). Como se não fosse o suficiente, a trilha inspirada consegue marcar o ritmo da brincadeira e ainda atuar de forma simbólica (por exemplo, os versos de Everlong "if anything could ever feel this real forever") são ouvidos logo antes da vaca ir pro brejo.
Assim, O Lobo de Wall Street é uma grande e frenética vitória por parte de seus realizadores. Scorsese tira de letra a dificuldade de filmar exageros sem soar caricatural ou destoante, e isso em uma história cujo protagonista leva uma vida tão intensa que é capaz de dormir pilotando um helicóptero. Repleta de grandes sacadas, cenas inesquecíveis e Margot Robbie pelada, a produção é mais um acerto para a carreira do diretor, cujo talento e capacidade continuam tinindo. Em determinado momento, Hanna fala que ninguém sabe nada de como as ações vão se comporta na bolsa de valores, mas uma coisa é certa: apostar em Scorsese é garantia de retorno.
Nick Carraway é um ex-quase escritor que se muda para Nova Iorque com o objetivo de atingir o sonho americano, i.e., ficar rico e fazer festa e ter muitas coisas legais (que coincidentemente é o sonho de vários não-americanos, também). Lá, através de sua prima Daisy, ele conhece um ricaço intrigante chamado Gatsby e várias coisas ricas e intrigantes acontecem enquanto o diretor Baz Luhrmann pega um estojo de lápis de cor e sai pintando tudo em volta.
O Grande Gatsby é menos uma história e mais um carnaval de cores, câmeras lentas, sobreposições e outras trucagens cinematográficas. Na verdade, parece que Baz Luhrmann simplesmente queria fazer algunas cenas plasticamente bonitas e alguém falou pra ele que, infelizmente, o filme precisava de outras cenas também porque tinha uma tal de história e era meio que essencial contar ela. O resultado é uma obra expositiva, forçada, sem sutilezas ou cargas dramáticas (ainda que tenha umas cenas plasticamente bonitas).
Basicamente, todas com a Carey Mulligan
Na real, o principal problema de O Grande Gatsby é um que acomete muitas adaptações literárias: o filme não traduz a história para a linguagem cinematográfica, apenas transporta ela, aparentemente achando que colocar o livro no lugar do cartão SD da câmera é o suficiente. Esse tipo de chocarrice faz com que a película não tenha nenhuma confiança em suas imagens enquanto contadoras de história, como se o único papel delas fosse existir individualmente enquanto Instagrams filmados, deixando uma narração em off frequente que explica tudo que acontece. É sério, não é uma hipérbole - em determinado momento, inclusive, esperei que o narrador falasse "agora vamos ver o que o Arnaldo tem a dizer sobre a direção de arte". Por exemplo, tem uma cena onde, enquanto a narração diz que Nick desistira de ser um escritor, vemos o dito-cujo pegando uma cópia de Ulysses e largando em cima da mesa, em uma das maiores ilustrações da palavra "redundância" de que se tem registro. Daí fica tudo assaz verborrágico e qualquer impacto visual é diluído pelo blábláblá em off, o que é um problema bem grande se considerarmos que é uma obra audioVISUAL (quando Gatsby é apresentado pela primeira vez, a narração mais uma vez explica o que está acontecendo na tela, impedindo que o espectador seja cativado pelo momento em si. E a frequência com que isso se repete torna O Grande Gatsby uma grande descativação geral, estéril de cenas lacrimejantes ou inspiradoras).
Mas o complexo de tagarelice não é o único problema desse livrinho de colorir que Baz Luhrman chama de "roteiro": o filme parece ter preguiça de realmente investir nas tramas que o permeiam, acreditando que o simples encadeamento de eventos decisivos é o suficiente para construir a história (não é) - tipo, a admiração de Nick por Gatsby é completamente desprovida de qualquer justificativa ou bom senso, soando extremamente forçada. Na verdade, o próprio Gatsby é uma figura apagada, sem grandes atrativos (e não falo aqui de coisas que o tornem "grandioso", mas sim interessante enquanto personagem), conseguindo um pouco da atenção do público mais graças ao mistério de como ele se tornou um Tio Patinhas festeiro do que por qualquer outra coisa, e pelo andar da carruagem seria muito mais plausível se ele tivesse uma admiração enorme por Nick, e não o contrário. Com isso, cenas que teoricamente teriam uma carga dramática enorme (carga dramática essa que é essencial para que a galera se envolvesse com a história) acabam soando tão intensas quanto uma partida de gamão, e logo se percebe que O Grande Gatsby é meio que só um mapeamento dos pontos-chaves da história disfarçado de Moulin Rouge 2.
Já a parte visual é bem mais apurada, ainda que seja apurada de uma forma meio individualista, cada cena tentando simplesmente ser a mais bonita, como se fosse um concurso de Miss Planos. Algumas são realmente inspiradas, como os fogos de artifício quando Gatsby se vira ou as cores quentes em que Daisy é apresentada, criando um momento tão caloroso que a galera saiu um pouco bronzeada do cinema. Os cenários grandiosos evocam bem a filosofia "eu tenho, você não tem" daquela galera, um grande high five dessa direção de arte que, além de fazer uma vitoriosa reconstituição de época (consegue emular o visual dos anos 20 de uma forma bastante particular), traz junto algumas sacadas extremamente bacanas - o exagero de vermelho no cenário em que Tom e Myrtle fazem a dancinha do acasalamento, exacerbando a paixão e a luxúria do recinto, é um ótimo exemplo. É um lance meio teatral, mas totalmente de acordo com a trama e o período histórico, se é que isso faz algum sentido (mas tudo bem se não fizer, porque o filme também não faz).
A parte chata é que Baz Luhrmann dirige a coisa de uma forma meio desempolgada, tipo como se estivesse esperando só pra usar sobreposições e planos digitalmente emendados e ficasse frustrado toda vez que não pudesse. Mesmo cenas que são plasticamente bacanas, como a do atropelamento, possuem enquadramentos que se preocupam mais em aparecer no Vimeo e menos em contar efetivamente o que está acontecendo - os únicos momentos que realmente merecem destaque são as imagens aéreas, que, principalmente quando a turminha tá saracoteando pelas pontes, conseguem impressionar. É uma pena que, mesmo com esse narcisismo visual, o diretor não manje nada de 3D, optando por uma profundidade de campo pequena que, basicamente, joga o 3D em uma banheira e cruelmente o afoga. Se formos levar em conta também a montagem com DDA, que não consegue passar mais de oito segundos no mesmo enquadramento, meio que resumindo a direção de arte e a ótima fotografia (que alterna entre o colorido total no presente e uma simpática paleta mais monocromática nos flashbacks - algo meio óbvio, mas que aqui funciona com um contraste supimpa) em gifs numa telona, percebemos que mesmo o visual do filme não traz lá grandes impactos (aliás, O Grande Gatsby parece ter sido feito pensando nos inevitáveis gifs e posts no tumblr que surgirão com o filme).
Com uma cara de bobo sempre convincente, embora completamente despido de carisma, Tobey Maguire passa por média como narrador da balbúrdia, ainda mais considerando que o roteiro trata sua personagem de uma forma meio "opa, precisamos que a história avance aqui, bota o ex-Homem-Aranha aí em cena". Já Leonardo DiCaprio consegue fluir entre o agradável e apreensivo, frequentemente mantendo uma postura cortês que denota o quanto é trabalhada aquela imagem que Gatsby constrói de si mesmo - ainda que exagere de vez em quando (o encontro com Daisy) e, como de costume, esteja sempre parecendo se esforçar demais, o que atira para as cobras a ilusão de que ali está uma personagem, e não um ator representando. E, enquanto Joel Edgerton consegue ser intenso e carismático mesmo com as limitações roteirísticas, Carey Mulligan empresta beleza, doçura e fragilidade à Daisy, construindo uma personagem ao mesmo tempo melancólica e esperançosa, distante e acessível.
Aparentemente surgido como um veículo para que Baz Luhrmann mostre como coisas em vermelho e sobrepostas são legais, uma vez que exagera nas trucagens cinematográficas, O Grande Gatsby se perde ao pular a cerca e trair o roteiro com uma devassidão visual de baixa auto-estima, que não acredita muito em si mesma. O que é meio bizarro, já que estamos falando de uma adaptação literária. No final das contas, um filme nada mais é do que uma história contada - e a produção chafurda na lama do fracasso justamente por se esquecer disso, achando que uma fotografia bonita e umas câmeras lentas fariam a película valer a pena. Ou seja, como tudo e todos que investem apenas na imagem, sucumbe à superficialidade.
Direção: Shane Black Roteiro: Shane Black e Drew Pearce
Elenco
Robert Downey Jr. (Tony Stark) Gwyneth Paltrow (Pepper Potts)
Ben Kingsley (Mandarim) Guy Pearce (Aldrich Killian) Rebecca Hall (Maya Hansen)
Don Cheadle (coronel James Rhodes)
Traumatizado após enfrentar um monte de CGI em Os Vingadores, Tony Stark tem problemas pra dormir, problemas com Pepper e passa o tempo construindo homens de ferro para serem seus amigos e jogarem Imagem & Ação com ele. Mas daí um terrorista chamado Mandarim começa a tocar o terror nos americanos e, para proteger seu país e seus amigos e sua noiva e seu ego, Tony veste a armadura e sai pra descer o sarrafo na galera.
Homem de Ferro 3 é o típico filme da Marvel: preguiçoso, seguro, se apoiando em piadinhas e efeitos especiais (e, no caso específico do Homem de Ferro, um protagonista completamente em chamas). É a fórmula de sucesso da FIRMA, e aparentemente vão investir nisso enquanto a galera continuar dando milhões de verdinhas para assistirem aos filmes - mas, se por um lado isso garante a comida no prato dos executivos da Marvel, por outro acaba resultando em coisas completamente desnecessárias, fazendo com que Robert Downey Jr. tenha que se desdobrar para que o filme não enferruje (desculpem).
A única pessoa do mundo que realmente tem problemas se esquecer onde deixou o carregador.
Mas há de se convir que, na real, a franquia é um grande playground/plataforma de exposição para o Beto Downey. E ele faz por merecer: compondo Tony Stark com uma energia frenética, inquieto, decidido, carismático ao extremo e com um timing cômico aniquilador, o ator pega o espectador pela mão e carrega ele até o final do filme - um competente e divertido showman. E em Homem de Ferro 3 ele trabalha junto com um elenco competente, que consegue criar cada personagem única e bem definida - com grande destaque, claro, para Ben Kingsley, que só não disputa corpo-a-corpo com Robert Downey Jr. porque aparece menos tempo. Ah sim, o Guy Pearce fica meio atrás dessa turma, mas ao menos aqui a maquiagem dele não é fracassada (abraço, Prometheus).
Infelizmente, o talento dessa galera atuante não é explorado como poderia porque, bem, porque Homem de Ferro 3 não tem exatamente uma história. É tipo uma colagem de piadas e cenas de ação e encheção de linguiça desenfreada. E não falo aqui nem de desenvolvimento de personagens ou de conflitos emocionais (apesar da coisa do trauma de Vingadores tente fazer isso, e há uma possibilidade nunca explorada de fazer algo no estilo "biologia x máquina", nunca concretizado), porque exigir isso de um blockbuster é meio que um convite à decepção (embora aconteça), mas do próprio andamento da trama. A impressão geral é a de que, após o Mandarim brincar de Lego com a casa do Stark, a produção fica enrolando pra ter mais tempo de tela. O investimento na história é tão raso que sequer há um motivo para o vilão fazer o que faz. Ele simplesmente comete atrocidades, e tem um plano completamente elaborado e tal, e aparentemente faz tudo isso para evitar o tédio, já que a película nunca explica o objetivo dele com toda essa balbúrdia. Isso torna Homem de Ferro 3 lento, arrastado, uma versão cinematográfica de domingo. E mesmo que tenha momentos inspirados ao longo da projeção (a forma inteligente com a qual Tony chuta a bunda de uma mina lá ou vários dos diálogos do protagonista), o filme volta e meia apela para soluções forçadas, como o inexplicável holograma do teatro (onde a linha divisória entre tecnologia e mágica é praticamente inexistente) ou diálogos ridiculamente expositivos (como quando alguém fala "então você vendeu para o Mandarim?", algo que já ficou claro na introdução do filme. Até na sinopse, se bobear).
Shane Black dirige o filme de forma competente, mas meio automática. Tem uma visão boa da ação e consegue deixar claro o que está acontecendo e quem está envolvido (algo particularmente difícil na finaleira, quando a robozada entra em cena sem piedade), mas, com exceção da já citada cena onde a casa literalmente cai (que é tensa pacas e consegue ser surpreendente), não há nada realmente empolgante ou envolvente. Não que seja ruim, também, apenas segue a cartilha com eficiência. Os efeitos especiais são espetaculares, e só aquela cena do avião já seria de dar tapinhas nas costas, mas isso já estava previsto no preço do ingresso (os efeitos sonoros são incrivelmente incríveis, também. Mereciam um Grammy). Toda a parte técnica, aliás, é bem redondinha, e até mesmo o cuidado com o design das várias armaduras é uma atração à parte (faltou alguma que fizesse homenagem ao Wall-E, mas ok, fica para a próxima).
Ou seja, Homem de Ferro 3, assim como o 2, é mais um filme insosso nesse grande buffet de INSOSSIEDADE desenfreada que são os filmes da Marvel. Tem momentos divertidos, é bem produzido, alguns diálogos bons, algumas piadas engraçadas, algumas cenas de ação legais, mas fica muito em terreno seguro, não tenta se arriscar a fazer melhor. Provavelmente venha uma quarta película por aí, mas, pela forma como os últimos dois filmes não fizeram jus ao ótimo primeiro, talvez seja a hora de Tony pendurar a armadura.
Chegamos ao final do ano. E, enquanto as pessoas ficavam por aí bebendo champanhe e degustando comidas requintadas que não chegam aos pés de um simples bife com batata frita, eu mergulhei em um complexo sistema de dados e nomes (um arquivo do Word) para fazer a lista dos melhores filmes de 2012 - sempre lembrando, a lista é composta apenas por filmes lançados comercialmente no Brasil neste ano, então não reclamem de uma eventual ausência aquela produção que vocês baixaram via torrent em 1080p e que só será lançada no país do carnaval em 2015.
Seguem abaixo os destaques do ano, sempre acompanhados do seu título original e o nome do diretor ao lado. Depois, seguimos com os piores, a surpresa, a decepção e o tão aguardado top3 do ano. Provavelmente esqueci algum filme (ou não assisti), então sintam-se à vontade para me xingar nos comentários. Mas vamos lá:
As Aventuras de Tintim (The Adventures of Tintin, Steven Spielberg)
Os Descendentes (The Descendants, Alexander Payne)
Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need to Talk About Kevin, Lynne Ramsay)
A Separação (Jodaeiye Nader az Simin, Asghar Farhadi)
O Homem da Máfia (Killing Them Softly, Andrew Dominik)
As Aventuras de Pi (Life of Pi, Ang Lee)
Shame (idem, Steve McQueen)
Moonrise Kingdom (idem, Wes Anderson)
Amor (Amour, Michael Haneke)**
*Vi na mostra de São Paulo, então não sei quando e se vai entrar no circuito comercial (duvido muito);
**Vi na mostra de torrents da internet. Parece que talvez seja lançado no Brasil ano que vem, mas, vai ficar na lista de 2012 mesmo.
O Pior do Ano
Está se tornando uma tradição anual no cinema: repleto de personagens chatos e irritantes, diálogos chatos e irritantes, cenas de ação chatas e irritantes e um dos finais mais chatos, irritantes e covardes dos últimos tempos, Amanhecer - Parte 2 amarga a lanterninha do ano cinematográfico. O lado bom é que é o último da franquia, mas nem o alívio proporcionado pela aparição dos créditos consegue levar o filme a algum lugar além da terra demoníaca do fracasso.
A Decepção do Ano
Considerando seu competente diretor e o material de origem (embora eu nunca tenha lido o livro), a chatice total de Na Estrada torna o filme uma desilusão maciça, duas horas de situações modorrentas que se arrastam pelo que parece ser um cruzeiro de três semanas para o tédio. Nem a nudez da orelhuda Kristen Stewart consegue dar algum brilho. Assim, a película recebe o prêmio de decepção do ano, o que, considerando a vida arrastada daquelas personagens, provavelmente é a coisa mais legal que já aconteceu com elas.
A Surpresa do Ano
Depois que Os Mercenários se mostrou nada além de uma versão anabolizada de Sex on the City, parecia que nenhum filme de ação conseguiria ter novamente aquele clima de levantar os braços e gritar "é isso aí!". Mas eis que do nada, sem ninguém esperar, chega Dredd, com sua história simples feito bife com batata frita (observar referência no primeiro parágrafo do texto), ação desenfreada, boa utilização do 3D e frases de efeito transbordando testosterona, e sai tocando o terror e chutando a bunda de todo mundo. Cerveja e churrasco em versão cinematográfica.
Os Melhores
Esse ano foi complicado. A primeira posição nem foi tão difícil, mas definir os concorrentes para a segunda e terceira vagas, com sete candidatos, foi algo que exigiu muita perspicácia, nesse caso representada por uma latinha de cerveja que clareou as ideias. Seguem os escolhidos:
3 - O Espião Que Sabia Demais (Tinker, Taylor, Soldier, Spy, Tomas Alfredson)
É curioso que O Espião Que Sabia Demais tenha saído no mesmo ano que 007 - Operação Skyfall, uma vez que, embora ambos sejam filmes de espionagem, não poderiam ser mais diferentes: ao contrário do glamour e da ação que sempre acompanham o filhote de Ian Fleming, o filme de Tomas Alfredson é cadenciado, contemplativo, preocupando-se mais com os aspectos da inteligência e a evolução das personagens do que com a ação propriamente dita - um jogo de xadrez com peões humanos e uma atuação desconcertante de Gary Oldman (perdão pela redundância), exibindo ainda fotografia e direção espetaculares. Além disso, a trama complexa e envolvente mantém o espectador sempre atento. Uma daquelas obras extremamente únicas, que trazem um novo olhar para o gênero de espionagem. E que até poderia estar melhor posicionada, se não fosse...
2 - Millenium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (The Girl With the Dragon Tattoo, David Fincher)
... a irritante habilidade que David Fincher tem de utilizar de forma magistral todos os recursos à sua disposição para contar uma grande história. Em Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, o diretor pega uma trama sem grandes atrativos ou surpresas e a eleva a um patamar que eu só posso definir como certo. Construindo uma coesão épica entre todos os elementos da linguagem cinematográfica para mostrar suas personagens e os acontecimentos da narrativa, Fincher vai do perturbador (aquela cena com o tutor de Lisbeth) até momentos de partir o coração (no final, principalmente), passando pelo suspense e drama, claro. Uma aula de como se conta uma história, polvilhada com um elenco em chamas e uma das melhores cenas de abertura/créditos de todos os tempos. Que, pensando a respeito, poderia até assumir a primeira posição nesta balbúrdia. Só que...
1 - O Homem Que Mudou o Jogo (Moneyball, Benett Miller)
... quando Brad Pitt nasceu, a mãe dele o mergulhou em um rio mágico, tornando seu corpo invulnerável à . realização de filmes ruins (exceto o calcanhar, também conhecido como "Babel"). E em O Homem Que Mudou o Jogo, Pitt se entrega a uma atuação cativante em um filme que redefine o verbete "cativante" na Wikipédia: apresentando um roteiro certamente trabalhado até os dedos sangrarem sobre o teclado, uma galeria de personagens envolvente e direção e montagem em níveis "Copa do Mundo", a película vai se desenrolando e conquistando o coração do espectador em sequências certeiras, construídas com cuidado e inspiração - e aqui podemos falar tanto do momento quando Beane e Brand realizam uma transação extremamente complicada quanto da transição em que a filha de Beane toca violão e o áudio da cena seguinte - a torcida no estádio - entra um pouco antes. É uma produção tão bem desenvolvida, tão bem cuidada, que o seu plano final é com certeza o melhor do ano - e sem reviravoltas, sem exageros, sem grandes surpresas ou situações grandiosas, apenas um desfecho emocionante para um filme que se preocupou em conduzir as coisas e fornecer ao público tudo que ele precisava para chorar no cantinho com a última cena. Afinal, uma história inesquecível nada mais é do que uma história muito bem contada. E isso O Homem Que Mudou o Jogo tem de sobra.
Bem, é isso. É a lista. Concordem, discordem, xinguem, sintam-se em casa para comentar os filmes aqui citado, ou os não citados, e tornar a coisa ainda mais pertinente. Foi um ano de bons filmes e grandes lançamentos, mas não tanto quanto 2011 ou 2010. De qualquer jeito, resta esperar para ver o que esse mundão do cinema vai nos trazer em 2013. Ao menos não teremos mais Crepúsculo, certo? Se bem que vem por aí João e Maria e a continuação de Branca de Neve e o Caçador... haja paciência. Apesar disso, desejo um Feliz Ano Novo a todos.
Argo 5/5 Direção: Ben Affleck Roteiro: Chris Terrio, baseado em artigo de Joshuah Berman Elenco
Ben Affleck (Tony Mendez)
Bryan Cranston (Jack O'Donnel)
Alan Arkin (Lester Siegel)
John Goodman (John Chambers)
Em 1980, furiosos com a intervenção dos EUA na sua política, os iranianos invadem a embaixada americana e fazem um FUZUÊ ali dentro, sequestrando os diplomatas que estavam trabalhando - com exceção de seis funcionários marotos que deram no pé pela porta dos fundos, literalmente. Agora, com as tensões à flor da pele, a CIA recorre a Hollywood para resgatar a galera, criando um filme falso para acobertar a saída do pessoal.
Como ator, Ben Affleck é um ótimo diretor. Depois de pegar todo mundo de sopetão com o excelente Medo da Verdade e fazer o mundo inteiro pensar que enlouqueceu ao repetir a dose no sensacional Atração Perigosa, Affleck retorna com um thriller tenso, envolvente feito o rosto de uma morena de olhos verdes. Um talento tão surpreendente que dá vontade de chamar o Robin Williams e colocar o Ben Affleck em sessões dramáticas e intensas de psicologia com ele.
Inocentes estão em perigo. É hora de chamar... Hollywood!
Com uma trama absurda dessas (e baseada em fatos reais, o que nos diz muito sobre o mundo), seria muito fácil não levar Argo a sério. Para já aniquilar essa ideia, o filme começa com uma introdução impactante, com a IRANIADA tocando o terror de forma extremamente terrorífica na embaixada sem dó - e Affleck mostra tudo com a câmera na mão, sacudindo de perigo, enquanto a fotografia granulada, para dar um ar mais realista, grita a todo momento "fiquem tensos! fiquem tensos!", o que inevitavelmente acontece. É uma abordagem mantida ao longo do filme pra mostrar que a cobra quer fumar mesmo, só aliviando um pouco nas cenas onde John Goodman e Alan Arkin aparecem, inevitavelmente um pouco mais coloridas e leves. É uma direção segura, que sabe bem onde quer chegar e constrói um clímax eficiente, auxiliado pela ótima montagem e trilhas - inclusive, o desenvolvimento do filme se mostra épico quando percebemos que estamos tensos mesmo sem nenhum assassino, armas, tiros ou primeira visita ao sogro em cena.
Argo também colhe os frutos de um ótimo roteiro, que, além de apresentar bem o mote político que vai dar início à algazarra, se preocupa tanto com a trama no Irã quanto a trama em Hollywood, criando personagens com características bem definidas e interessantes (embora mais tempo pudesse ser destinado aos fugitivos, que acabam se confundindo em alguns momentos). E se por um lado o perigo na parte iraniana é frequente como se troca sozinho a resistência do chuveiro, a trama que se passa no Tio Sam ganha em diversão e charme graças a John e Lester, duas personagens que vivem em chamas e conquistam o espectador com diálogos aniquiladores ("se tem cavalos no filme, é um faroeste", "se vou fazer um filme falso, vai ser um sucesso falso"). A dinâmica que ambos trazem à história é um dos pontos altos do filme, convencendo que aquelas duas pessoas realmente são loucas o suficiente pra topar a empreitada.
O curioso é que, se um dos grandes méritos de Argo é seu diretor, um dos grandes problemas é o seu ator protagonista: inexpressivo, Affleck passa a impressão de que Tony não consegue diferenciar entre militares armados e raivosos e um chá da tarde (ou Tony tem alguma disfunção neurológica, como o Slevin Kelevra de Xeque-Mate?). E como é ele quem carrega o espectador por todos os lados da brincadeira, a produção não chega a atingir toda a carga dramática que poderia. Ao menos ele está cercado por um elenco competente, onde os destaques, além do enérgico Bryan Cranston, obviamente, são Goodman e Arkin - misturando simpatia e mal-humor a um sensacional timing cômico, eles obrigam a galera a levantar e fazer a "OLA" toda vez que estão em cena.
Contando ainda com uma ótima direção de arte, que reconstitui bem a época e dá personalidade aos ambientes internos, Argo é mais um "estou indo para casa com uma das mulheres mais bonitas da noite" de Ben Affleck - pena que se perde um pouco no drama familiar, que jamais é desenvolvido ou abordado de forma coerente, mas nada que estrague a experiência geral. Na verdade, a película parece ter os elementos certos para uma indicação ao Oscar, e, quem sabe?, talvez até uma vitória. É um filme "adulto", envolve política, é bem dirigido, bem escrito, tem ótimas atuações, montagem... pode ser que, em 2013, o mundo constate que Ben Affleck tem dois Oscar na prateleira. E quem acompanha a carreira de ator dele sabe que, há alguns anos, essa afirmação seria uma história muito mais absurda do que aquela na qual Argo se baseia.
Direção: Pete Travis Roteiro: Alex Garland, baseado nas personagens de Carlos Ezequerra e John Wagner.
Elenco
Karl Urban (Juiz Dredd) Olivia Thirlby (Anderson) Lena Headey (Ma-ma)
O Juiz Dredd e Anderson, uma juíza novata, são chamados em uma torre de babel genérica em Mega City One pra investigar um McGuffin. Logo eles se veem trancados lá com uma gangue sanguinolenta e a cobra começa a fumar sanguinolentamente enquanto Dredd e Anderson atacam seus inimigos com frases de efeito e balas (nesse nível de LETALIDADE).
Dredd é o filme que Os Mercenários deveria ter sido: joga em cena uma premissa básica, simples, só para que possa construir cenas de ação sensacionais e fazer suas personagens obliterarem tudo com diálogos curtos e certeiros. É um filme que não se leva a sério - e isso não significa que é um pastelão avacalhado, e sim que compreende sua dimensão de ser "apenas" um filme de ação, ao invés de apelar pro "vamos tornar isso sério fazendo com que o protagonista investigue uma conspiração que, ao final, eventualmente incluirá alguém do alto escalão da polícia/CIA/SWAT/força onde o policial está".
E, como todo bom filme de ação desenfreada, tem uma mina gata.
Elenco
Mark Wahlberg (John Bennett)
Mila Kunis (Lori Collins)
Seth McFarlane (Ted - voz)
John Bennett é um garoto solitário e desprezado pelas crianças da vizinhança. Até que um dia, achando que o mundo é um filme da Disney, ele deseja que Ted, seu ursinho de pelúcia ganhe vida - o que acaba acontecendo. Anos depois, John é um adulto infantil, preguiçoso e sem rumo na vida, mas que pega a Mila Kunis, o que anula todos os outros defeitos, e continua com a parceria de seu amigão Ted para fumar maconha, ver Flash Gordon e disparar tiradas politicamente incorretas.
Aliás, "politicamente incorreto" é uma palavra que define bem Ted (vejam bem, eu escrevi "politicamente incorreto", e não "nojeira + sexo". Achei melhor explicar porque algumas pessoas confundem os dois, né Todo Mundo em Pânico?). É como se o filme começasse 20 anos após um "final feliz" da Disney, elaborando como seria a situação e subvertendo completamente aquele conceito de história fantástica. E o melhor, faz isso com personagens assaz carismáticas, CGI anabolizado e fuzilando tudo com diálogos vitoriosos.
O Espetacular Homem Aranha (The Amazing Spider Man)
2/5
Direção: Marc Webb Roteiro: James Vanderbilt, Alving Sargent e Steve Kloves, baseado na personagem criada por Stan Lee e Steve Dikto.
Elenco
Andrew Garfield (Peter Parker/Homem Aranha)
Emma Stone (Gwen Stacy)
Rhys Ifans (Dr. Curt Connors)
Martin Sheen (Tio Ben)
Peter Parker é um adolescente inteligente, descolado e órfão da coisa que todos mais prezam no mundo, a motivação dramática que não apela pra misteriozinho. Daí um dia Peter fica surpreso ao ser picado por uma aranha radioativa, mesmo que tenha acabado de sair de um CARROSSEL de aranhas radioativas, e ganha um monte de superpoderes legais. Mas daí ele acaba preso em uma teia (piada obrigatória) de acontecimentos, a vaca radioativa vai para o brejo e nosso herói descobre que com grandes poderes vêm grandes reboots de séries.
Reiniciar uma série é algo que pode ser bem legal, como Star Trek provou. É algo que pode ser bem interessante, como Sherlock Holmes provou. É algo que pode fazer todo mundo esquecer que os filmes anteriores eram uma GAIOLA DAS LOUCAS e usar apenas hipérboles pra definir os novos, como os Batmans do Christopher Nolan provaram. No entanto, reiniciar uma série é uma oportunidade para entregar uma nova visão da história/personagens - e nesse caso, O Espetacular Homem Aranha, apesar de ter uma trama aparentemente mais "sombria", não acrescenta nada ao que Sam Raimi já havia feito nos filmes anteriores.
"You better lawyer up, asshole. 'Cause I'm not coming back for the radioactive spider. I'm coming back for EVERYTHING."
O que não é surpresa, já que a produção conta com um roteiro vacinado contra a criatividade e o bom senso. Tudo bem, algumas tiradas até são divertidas e alguns momentos até legais, mas, tal qual um ou outro jogador da seleção brasileira, eles estão envolvidos pelo fracasso absoluto. Para começar, não há a definição de uma "história" propriamente dita: começa com os pais de Peter indo embora, daí entra o interesse amoroso, depois as bugigangas e o Dr. Connors, a descoberta dos poderes, o lagarto, a família de Gwen, o ódio da polícia... tudo isso irrompe no filme sem muita explicação, sem muita lógica, sem desenvolvimento, enfim, sem. É com se as cenas fossem queijo ralado e alguém simplesmente jogasse elas em cima do roteiro. O filme não pega uma das tramas pela gola e a carrega até um ponto satisfatório; ao contrário, aposta nas convenções mais PERRENGUES para tentar amarrar tudo.
O que leva ao superpoder que realmente guia O Espetacular Homem Aranha: a coincidência. Não basta que um funcionário da Oscorp acidentalmente deixe cair uma pasta com algo totalmente ligado ao mistério que Peter tenta decifrar, que Gwen tenha acesso total ao laboratório de BIOFICÇÃOCIENTIFICOLOGIA, que Connors sabia tudo sobre o pai de Peter mas faça beicinho para dizer, é preciso ainda que o protagonista acidentalmente caia em um ringue de luta livre com um pôster de um lutador mascarado ao lado enquanto um inimigo grita "eu vi seu rosto!". A película é um grande buffet de soluções fáceis e implausíveis, que a toda hora uma suspensão da descrença radioativa para funcionarem (jamais funcionam).
E o melhor é que tudo ainda fica pior quando paramos pra prestar atenção nas personagens. Peter Parker, por exemplo, jamais tem uma motivação convincente: o misteriozinho dos pais é CHINFRIM, a morte do Tio Ben ficou tempo demais no forno e acabou seca e sem gosto, o relacionamento com a Gwen é construído através de injeções de clichês... disso tudo sai uma personagem nada carismática, que jamais cativa o espectador enquanto fica de chorinho pra lá e pra cá - exceto, claro, quando sem motivo nenhum começa a fazer piadas (fracas) enquanto Homem-Aranha (sei que a ideia é ele se "soltar" dentro do uniforme. Mas o filme não dá a entender isso). Já o Dr. Connors é tão profundo quanto uma entrevista de jogador de futebol, alternando entre o modo educado e o modo agressivo e lembrando ao público o tempo todo que ele quer o soro de lagarto pra si ("Mudar a vida de todos. E a minha"). O resto da galera só passeia pelas cenas, eventualmente quase sendo vítima do Lagarto e escapando por pouco.
Não ajuda muito que Marc Webb, provavelmente escalado apenas pelo sobrenome, atropele a história com uma falta de imaginação enorme na direção. Se ele acerta (a transição para a Oscorp é elegante, as cenas em primeira pessoa são bacanas, embora destoem da linguagem do filme), provavelmente é porque não conseguiu fazer as coisas saírem como ele imaginava. Não há nada realmente chamativo nos enquadramentos, as coreografias de luta são um disco riscado (o Lagarto esmaga o Aranha contra a parede; o Aranha escapa e usa as teias; o Lagarto escapa das teias e esmaga o Aranha contra a parede; o Aranha...), e nem os momentos onde o cabeça-de-teia fica TARZANEANDO pela cidade são memoráveis. Tudo bem que o roteiro já pratica bullying contra o filme, mas dava pra ter tentando ao menos algo legal, né? No mínimo uma trilha não tão irregular (alterna ótimos momentos - na ação, principalmente - com outros de fazer o cara se arrepender de ter nascido com tímpanos.
Mas boa parte do problema vem do fato de que ninguém avisou ao Andrew Garfield que Peter Parker ra o protagonista, e, como tal, tinha que ser cativante ou ao menos interessante. Garfield se limita a sorrir torto, fazer carinha de choro, e, basicamente, sugar sem piedade qualquer carisma que porventura aparecesse na cena. Ao menos ele não sente solidão, já que Emma Stone, embora pegável AS GANHA, pouco pode fazer para tornar Gwen minimamente interessante. Os únicos que se destacam, aliás, são Martin Sheen, que convence o espectador daquele lado "eu sou velho mas entendo você e tenho conselhos pertinentes para dar" de Ben Parker, e Rhys Ifan, que consegue transitar bem entre os lados cortês e ameaçador de Curt Connors, embora o roteiro obrigue-o a fazer isso sem lógica nenhuma.
Contando ainda com a previsibilidade total (como a máquina de toxina que aparece do nada no meio da história e "some"), diálogos tão subdesenvolvidos que seriam classificados como "terceiro mundo" ("não é seu trabalho", "talvez seja"), cenas batidas LIQUIDIFICADORIFICADAS (a aparição de Stan Lee) e, pasme, até patriotismo americano (reparem no enquadramento da bandeira dos EUA quando os trabalhadores vão ajudar o cabeça-de-teia), O Espetacular Homem Aranha se mostra um esforço completamente pálido e desnecessário. É bem produzido sim, e tem alguns momentos realmente bons sim (a teia no esgoto, a cena onde Peter vai descobrindo os poderes), mas em nenhum momento consegue envolver o público ou entregar uma experiência impactante. Na tentativa de fazer algo mais dramático e profundo como os Batmans do Nolan, Marc Webb só conseguiu mostrar o mais novo e letal predador das aranhas: a ganância hollywoodiana.
Direção: Ridley Scott Roteiro: Jon Spaihts, Damon Lindelof
Elenco
Noomi Rapace (Ellie / Sigourney Weaver cover)
Michael Fassbender (David)
Charlize Theron (Vickers)
Maquiagem + Guy Pearce (Weyland)
Ellie e Charlie são um casal que, ao ver alguns GRAFITES milenares em diferentes lugares, acham que encontraram um mapa para descobrir quem criou a humanidade. Então ambos, acompanhados de pessoas cujas roupas são mais complexas do que suas personalidades, viajam até a famosa galáxia "Espere Eu Acho Que Um Alien Vai Aparecer a Qualquer Momento", onde tomam uma série de atitudes idiotas e ficam surpresos quando o alien vai pro brejo por causa delas.
No espaço, ninguém pode ouvir você gritar. Ninguém pode duvidar da suspensão da descrença, também - ao menos essa é a mensagem que o desorientado (fantasiado de ambicioso) Prometheus deseja passar. Porque com um roteiro que manda a lógica e o bom senso para o espaço (trocadilho obrigatório), estrelando a única equipe que conseguiria ao mesmo tempo ir até outro planeta e sair vencedora no Darwin Awards, o novo filme de Ridley Scott acha que seu marketing de "sou filosófico, me interpretem!" é o suficiente para deixar passar erros grosseiros na história (não é).
Mas sejamos justos, em termos visuais, Prometheus é sensacional: além da bela escolha de enquadramento para mostrar a Charlize Theron ( = qualquer um), a produção conta com uma direção de arte caprichada já no início (a lenta transição do solo morto até paisagens bonitas, onde se originará a vida), e que só ganha elogios com os figurinos (e reparem como o de Vickers é totalmente impessoal, já que ela representa as corporações malévolas e que não estão nem aí pra nada) e o design das bugigangas tecnológicas (bastante arrojados e coerentes como evolução da tecnologia atual). As paisagens do planeta LV 223 também fazem seu papel, surgindo sempre em tonalidades escuras (principalmente o marrom) e com aspecto arenoso, indicando a total ausência vida por aquelas bandas (heróis de filmes espaciais deveriam fazer cursos de crítica cinematográfica. Se dariam muito melhor).
Jogos Vorazes (The Hunger Games) 4/5 Direção: Gary Ross Roteiro: Gary Ross, Suzanne Collins e Billy Ray, baseado no livro de Suzanne Collins Elenco Jennifer Lawrence (Katniss) Josh Hutcherson (Peeta Mellark) Woody Harrelson (Haymitch) Donald Sutherland (Presidente Snow) Stanley Tucci (Caesar Flickerman) Em um futuro pós-revolução, onde a parte revolucionária tirou a cartinha "revés" no Banco Imobiliário, a América do Norte é dividida em distritos. E, a cada ano, todos os distritos devem oferecer dois "tributos" entre 12 e 18 anos - um menino e uma menina - para participar de um reality show - um onde todos devem descer o sarrafo entre eles mesmos e jogar uma versão cruel e sangrenta do jogo de tabuleiro "Resta Um".
O marketing de Jogos Vorazes tenta vender o filme como a nova grande saga após Harry Potter e Crepúsculo. Mas, após alguns minutos rindo por chamarem Crepúsculo de "grande" ou "saga" ou "filme" ou "aquilo" ou "feito de átomos", percebe-se que Jogos Vorazes é mais uma obra mesmo e menos um fenômeno de marketing - e que, apesar de chamar na preguiça em alguns momentos, o filme é intenso e envolvente o suficiente para que a possibilidade de se tornar uma franquia seja algo a se comemorar.
Tal qual acontece com muitas adaptações de livros, Jogos Vorazes aqui e ali gasta tempo em cenas que não acrescentam muito à trama, provavelmente aparecendo apenas por estarem no livro também - como aquelas envolvendo a mãe de Katniss ou o namoradinho-com-gel-no-cabelo dela assistindo ao torneio pela TV. Da mesma forma, com pouco tempo para dedicar a alguns personagens, algumas vezes investe em estereótipos mais batidos do que mulher de malandro - e ver os "antagonistas" (aliás, precisava ter um antagonista? A trama já não é intensa o suficiente?) tirando sarro das súplicas de suas vítimas fez tudo soar como aquelas cheerleaders de filmes adolescente rindo das colegas gordas (e essa superficialidade só torna um arrependimento final de uma personagem ainda mais forçado).
Jennifer Lawrence pronta para atirar e acertar em cheio o
coração do espectador.
Por outro lado, a produção utiliza um bom tempo para apresentar a história e conceitos, e o núcleo de personagens principais é trabalhado de forma incomum para um blockbuster: Haymitch cativa com seu jeito "já bebi oito engradados de cerveja e não estou nem aí" e o fato de que realmente se importa com a pirralhada, Peeta cresce para deixar de ser só um loirinho chato e até mesmo Effie se torna interessante com sua bizarra mas verdadeira empolgação pela coisa. E, claro, temos Katniss, e o tempo absurdo que a câmera fica nela não é a toa. Ela é a narradora e quem carrega o espectador pela trama. Através de seus olhos (lindos, claros e que trazem o brilho da beleza única), somos informados da brutalidade dos jogos, do contraste distritos-capital, da incoerência de tudo aquilo. Mas Katniss não é apenas um ponto de vista, e o espectador se pega torcendo por aquela figura carinhosa, quase materna, que desde pequena chama o mundo pra briga e encara ele de igual pra igual. Assim, sua jornada de sofrimento (e aqui cabe a comparação com Crepúsculo, pois só quem já assistiu a todos os filmes da série conhece o significado de "sofrimento") é a jornada de uma personagem tridimensional, que toma um trago de coragem para salvar sua irmã mais nova só para depois enfrentar uma descomunal ressaca de medo, que adota a pequena Rue como forma de compensar a falta da irmã. E que sim, mata para sobreviver, apenas para sofrer um bullying violento de sua consciência depois.
Porque o filme não tem medo de atirar sua protagonista na roda da desgraça. Ela precisa correr, escalar árvores, fugir de incêndios, de assassinos, é queimada, picada por animais venenosos, alucina, cai, sofre, perde pessoas queridas. É como se o Iñarritu estivesse dirigindo o reality show. Isso tudo só torna o caminho dela ainda mais perigoso, envolvendo mais o espectador na balbúrdia. E para deixar a coisa ainda mais tensa, o diretor Gary Ross investe em uma câmera sacolejante, sempre na mão, que confere mais realismo e brutalidade às sequências (esse estilo meio documental traz para a linguagem um realismo inexistente na trama, o que ajuda o público a aceitar aquele mundo e a se chocar com o que acontece nele). A fotografia mais granulada e com cores dessaturadas (exceto na capital, onde elas são tão vivas e berrantes quanto em qualquer seriado da Warner) ajuda a conferir esse climão, que também é beneficiado pela montagem frenética (ainda que eventualmente a combinação "câmera na mão + montagem" acabe chacoalhando o cérebro do espectador, que não consegue acompanhar direito o que acontece na tela).
Ross também prova que manja do riscado ao utilizar de forma vitoriosa recursos que elevam pacas a dramaticidade dos momentos, como os planos-detalhe quando Katniss vai atirar, o perturbador silêncio no momento da "Colheita", o volume baixo na hora da entrevista (que ressalta o nervosismo da protagonista), e assim por diante (uma forma econômica e competente de evitar diálogos expositivos - em outros casos, certamente haveria alguém perguntando "você está com cara de nervosa, você por acaso está nervosa nesta situação nervosa que certamente arrancaria o nervosismo total de qualquer um?"). Aliás, a trilha investe em tons mais sombrios mesmo em momentos de "calmaria", servindo a tensão no prato já na entrada, enquanto o design de som ajuda a criar a já citada realidade ao utilizar sons florestais como se não houvesse amanhã (reparem como o farfalhar das folhas enquanto Katniss liga o modo "sebo nas canelas" floresta afora auxilia na construção do ambiente). E já que estamos falando de design ("desing" para alguns do Twitter), a direção de arte merece retweets pelo ótimo contraste entre os distritos (pobres, sujos, quase rurais em sua essência, mas pequenos e acolhedores) e a capital (totalmente impessoal, com a ditadura do cinza perdurando, estruturas retas, quadradas e tão atraentes quanto... bem, quanto um cubo cinza e impessoal). Mas há um porém aqui: a breguice desenfreada dos figurinos usados pelo pessoal da Capital, cujas lojas de roupa aparentemente só vendem coleções desenhadas pelo Tim Burton, quebra um pouco o clima do filme. Tudo bem, dá pra entender o objetivo dessa escolha (mostrar a artificialidade, contrapor ao máximo possível a Capital com os distritos), só que ela destoa tanto do resto que, justamente por ser tão explícita quanto a seus objetivos, não entrega sua mensagem de forma natural.
Mas Jogos Vorazes se gabarita a pedir música no Fantástico é com o espetacular elenco, mesmo. Começando por Woody Harrelson, que com trejeitos ágeis e falas rápidas transforma Haymitch em uma figura maníaca e magnética - e os momentos onde fica "sério" mostram o quanto ele se preocupa com Katniss e Peeta (aliás, percebam que uma simples recusa de Haymitch a aceitar bebida, em determinado momento, é o suficiente para ressaltar a importância daquele momento e daquela cena). Já Stanley Tucci entra no modo Coringa e mantém seu sorriso quase sempre devorando as orelhas, na artificial alegria do apresentador Caesar Flickerman (algo que compartilha com Elizabeth Banks, que, como Effie Trinket, frequentemente parece ter dentes demais). E se os tributos não podem fazer muito com os estereótipos que recebem, ao menos Josh Hutcherson ilustra bem o olhar aguçado e a determinação de Peeta, que desde o primeiro segundo se mantém tenso o tempo todo (até mesmo sua postura quando sentado é rígida e parece desconfortável) e focado no jogo.
Entretanto, o maior mérito desse elenco é o de não ser completamente obliterado pela deslumbrante atuação de Jennifer Lawrence: construindo uma Katniss sentimental, amorosa, ela justifica cada atitude tomada pela protagonista. Sem quase nunca elevar seu tom de voz, a atriz é a responsável por um dos pontos mais importantes da trama: Katniss não se ofereceu no lugar da irmã por achar que tinha mais chances, mas sim por amar tanto a pimpolha. Constantemente lembrando o público de que aquela é uma jornada de superação (os gritos que ela dá enquanto corta um galho, por exemplo, não são gritos de coragem, do tipo "agora vocês vão ver"; são gritos de dor), a loirinha consegue ilustrar a fragilidade e a determinação da garota sem cair no exagero ou no clichê. Através de um olhar ligeiramente arregalado, com leves tremidas de cabeça e dos lábios, Lawrence mostra de forma definitiva o quão chocante é aquela realidade - e sua expressão assustada, apenas alguns segundos antes dos jogos começarem, é um dos momentos mais perturbadores do filme.
Assim, Jogos Vorazes mostra-se uma película sólida, com uma visão bem definida do que deseja transmitir e atingindo o sucesso nesse quesito. Embora com algumas adolescentizações desncessárias (as já citadas e outras, como o fato de que a "revolução" no distrito 11 começou do nada - por que nunca haviam feito isso antes?), a produção consegue fugir do óbvio e tem coragem para tomar decisões não muito comuns a esse tipo de blockbuster. Até porque não é um filme de ação, e sim uma história sobre Katniss. E uma película que investe 90% em sua personagem para, após todo o sofrimento, vê-la com um sorriso amarelo quando deveria estar radiante, certamente merece um olhar mais atento. E torna as possíveis (inevitáveis, a essa altura) sequências ainda mais promissoras.
A Árvore da Vida conta a bela e filosófica história de um monte de imagens bonitas e acompanhadas de questionamentos filosóficos em off. Ah sim, e também acompanhamos a rotina de uma família enquanto ela... bem, enquanto ela vive e coisas rotineiras e filosóficas acontecem ali no meio.
Terrence Mallick é um sujeito que parece ter a natureza no seu círculo mais íntimo de amigos. Certamente a chama pra jogar pôquer na sexta de noite ou para tomar uma cerveja. Isso é algo que fica bastante claro em sua filmografia, onde muitas vezes a paisagem é quase uma personagem e também sofre com as circunstâncias da história. Assim, não é surpresa que A Árvore da Vida represente de forma lacrimejante a força da natureza e a presença insignificante do homem perante toda essa balbúrdia.
Onde está seu Sócrates agora?
A ausência de uma estrutura narrativa sólida a princípio pode ser confusa que nem uma convocação da seleção brasileira (o filme com frequência zomba da linearidade, se mistura com flashbacks, flashforwards, cenas de dinossauros, e por aí vai), mas tudo faz parte do plano do titio Terrence para provocar a reflexão no espectador. Assim, o diretor prefere se ater mais ao arrebatamento emocional e à construção de conceitos através de imagens do que entregar ao público algo mais palatável - uma linguagem mais complexa, claro, e não necessariamente melhor ou pior do que outras, mas que se aplicou perfeitamente a este caso.
Mark Wahlberg (Micky Ward)
Christian Bale (Dicky Eklund)
Melissa Leo (Alice Ward)
Amy Adams (Charlene Fleming)
Micky Ward é um boxeador pacato, tranquilo e que, treinado por seu irmão Dicky Eklund, passou os últimos dez anos levando sarrafo atrás de sarrafo nas lutas. Totalmente dominado pela mãe empresária e pela família (eles possuem sete irmãs - sim, imagine como fica o carro deles com aqueles adesivos de família que viraram moda), Micky encontra na garçonete Charlene o início de um novo caminho. E no meio dessa balbúrdia toda, incluindo aí o vício de Dicky por crack, Micky tenta se superar cada vez mais para se tornar um grande boxeador e também porque histórias de superação costumam comover o pessoal do Oscar.
O Vencedor é menos uma história de ascensão de um boxeador e mais a história de uma família tão instável e disfuncional quanto o MSN Messenger. Tipo um The Osbournes sobre boxe, assim. Contando com um elenco que atinge níveis estratosféricos de qualidade, o filme foge de fórmulas tradicionais (ok, da maioria delas, pelo menos) e consegue soar pertinente dentro de sua proposta, mesmo que, aqui e ali, acabe caindo naquela grande armadilha de urso que é o clichê.
"Deixa eu botar minha roupa de Batman que acabo com esse desgraçado em dois bat-segundos!"
A película já começa mostrando o carisma de Dicky ao fazer a personagem caminhar pelas ruas da vizinhança cumprimentando todo mundo, enquanto uma equipe de TV segue atrás para fazer um documentário sobre o sujeito - e essa cena serve como exemplo da dinâmica familiar deles, onde Dicky é o centro das atenções e Micky, tal qual o Palmeiras, fica sempre relegado a segundo plano. A partir daí o filme constrói as tramóias com bastante cuidado, fazendo com que a família compactue com as ilusões de grandeza de Dicky mesmo quando é o irmão que está se preparando pra entrar no ringue. Graças a esse tipo de comportamento (como, por exemplo, quando estão saindo de uma luta onde Micky apanhou feito uma senhora de idade aprendendo a usar o computador e todos se importam mais em ouvir o irmão falar de como derrubou Sugar Ray Leonard), o público realmente sente que o protagonista está sendo injustiçado e sofre com ele - e o quando o sujeito se apaixona por Charlene, uma moçoila cativante e de personalidade forte ("eu não vou me esconder da sua família"), entendemos o motivo daquela atração e a importância que Micky dá ao fato de finalmente estar "em primeiro lugar" pra alguém. E ao invés de apelar pro dramalhão total, como poderia fazer, o filme investe em conflitos que se mostram inevitáveis, tornando a relação entre aquelas pessoas mais densa e palpável (principalmente Dicky e Mickey. Inclusive ambos, como irmãos, brigam e se reconciliam toda hora - quando Micky ajuda o irmão com os policiais, por exemplo, ou quando Dicky, mesmo após uma discussão forte, dá dicas de boxe a Micky).
Roteiro: Mark Heyman, Andres Heinz e John Mclaughlin
Elenco
Natalie Portman (Nina Sayers)
Mila Kunis (Lily)
Vincent Cassel (Thomas Leroy)
Barbara Hershey (Erica Sayers)
Winona Rider (Beth Macintyre)
Nina é uma bailarina tímida e reprimida que pensa, vive e respira sua arte (exatamente o que os homens fazem com relação ao sexo, só que com balé). Buscando um lugar de maior destaque na sua companhia, ela acaba alçando vôo (trocadilho obrigatório) até ser a estrela principal no espetáculo O Lago dos Cisnes, interpretando o Cisne Branco e o Cisne Negro. Mas, ao mergulhar no papel (trocadilho obrigatório), Nina começa a ceder à pressão de se soltar, de se libertar, de conseguir interpretar os dois lados - além de sentir inveja de uma bailarina novata, Lily, que consegue justamente ser solta e ASSANHADA como Nina gostaria de ser. E o medo de ser substituída por Lily só faz com que a moça entre ainda mais em parafuso.
O balé é uma arte bela, encantadora, cheia de movimentos graciosos e apresentações delicadas. Enfim, coisa de mulherzinha. Mas em Cisne Negro o diretor Darren Aronofsky nos leva além desse mundo aparentemente branco e singelo, atirando o espectador em uma viagem intensa e devastadora à mente de Nina, aos sacrifícios que ela precisa fazer, a tudo que ela precisa renegar, construindo uma obra tão visceral e cheia de simbolismos que o filme faz um violento jogo de rúgbi soar como uma partida de Paciência no computador. E faz isso de forma tão complexa que, ao final da projeção, é impossível não levantar da cadeira, correr pela sala do cinema fazendo aviãozinho e depois tatuar "Natalie Portman" no coração.
Na lagoa da minha cidade os cisnes não são assim.
Concebido com o mesmo cuidado e atenção que um adolescente concede ao seu videogame, o roteiro de Cisne Negro é uma sucessão interminável de vitórias. Já no início somos apresentados à dedicação de Nina ao ver que, assim que sai da cama, a pimpolha vai direto ensaiar e arrumar sua roupa de balé na frente do espelho. Aliás, os cuidados do filme ao mostrar algumas artimanhas e rotinas da área (como quando Nina arruma a sapatilha para dar mais estabilidade, ou quando ela faz uma massagem após o ensaio e vemos o preço que a dedicação cobra do corpo da moça) dão ainda mais verossimilhança à história e ajudam a tragar o espectador até aquele mundo. É aos poucos também que a personalidade de Nina vai sendo construída através da presença constante e castradora da mãe (em pessoa ou ligando pelo celular), da admiração excessiva por Thomas, do medo de perder o papel de Rainha Cisne e, principalmente, da tentativa de ser perfeita em cada movimento (tanto que várias personagens sugerem à protagonista ela que trabalhe menos e relaxe mais. Infelizmente ninguém citou O Iluminado com "só trabalho sem diversão fazem de Jack um bobalhão". Fracos). E é interessante notar como pequenos momentos e elementos (um olhar de Thomas pra Lily; os momentos de preocupação excessiva da mãe; a visão de Nina de que o papel de Rainha Cisne é mais imprtante do que o Santo Graal, ilustrada muito bem em uma determinada visita à Beth; entre outros) aos poucos vão ganhando mais dimensão, mais urgência. E tudo isso faz com que o público realmente sinta quando a coisa toda começa a rachar e Nina se entrega a um "eu" que ela jamais havia conhecido antes.
Direção: Debra Granik Roteiro: Debra Granik e Anne Rosellini, baseados no livro de Daniel Woodrell
Elenco
Jennifer Lawrence (Ree Dolly)
John Hawkes (Teardrop)
Shelley Waggener (Sonya)
Ree é uma garota de 17 anos, bonita, inteligente e que por acaso mora numa região desolada, áre provavelmente planejada pela DEPRESSÃO ENGENHARIA LTDA e decorada pelo escritório de design TRISTEZA TOTAL. No meio dos caipiras que vivem em casas afastadas lá, a moçoila precisa cuidar dos irmãos mais novos e de sua mãe doente. Mas pra não facilitar as coisas e deixar sua filha mimada, o pai de Ree sai da prisão sem pagar a fiança, obrigando a garota a lidar com pessoas perigosas e barbudas na tentativa de encontrar o sujeito e, assim, evitar que a casa onde sua família mora seja tomada de assalto pelo governo.
Inverno da Alma tem bastante semelhanças com, bem, com um pedaço de concreto: é um filme áspero, pesado, denso e atinge o espectador com uma força descomunal. Só que também é uma emocionante e cativante história de sobrevivência, daquelas que fazem as pessoas saírem do cinema repensando seus valores e conceitos - pelo menos até serem atingidas pelas luzes do shopping, quando então toda reflexão some feito canetas que caem no chão.
As mães certamente repensarão aquele papo de "levar as crianças pra brincar na rua é mais saudável do que ficar jogando videogame".
A trama é bastante simples, mas narrada com intensidade. E o filme já começa acertando todos os alvos possíveis ao nos apresentar à rotina de Ree, que consiste em levar os irmãos à escola, cozinhar, cortar lenha e outras coisas que eu, guri de apartamento, nem sei o que são. Isso é importante não apenas para estabelecer a personagem como uma garota madura e determinada, mas também para situar o espectador naquela realidade dura e triste. A partir daí, conforme a história vai se desenvolvendo, Inverno da Alma atira o público sem piedade em diálogos secos, crus, cheios de orgulho e de raiva. É como um lugar onde a galera cresceu sem ter acesso a nenhum filme da Disney. As pessoas são tão duras e tortas quanto as árvores que decoram a paisagem, e a naturalidade com que Ree desfila no meio dessa GENTALHA é quase dolorosa - afinal, graças às já citadas cenas iniciais nós acabamos por gostar dela, nos importar com ela, e então acabamos realmente chorando pitangas por ela fazer parte dessa realidade sofrida. Uma construção de personagem sensacional, complexa, que enterra a sete palmos debaixo da terra as concessões fáceis e felizes (Ree ensina seus irmãos a matar e ESTRIPAR um esquilo como se estivesse ensinando a jogar Mario 64!).
Para acompanhar essa atmosfera de repartição pública, a diretora puxa as cores sempre pra tons de ciano, enfatizando a desolação e frieza da região (que são ainda mais realçadas com essas cores fazendo parte do "Clube da Dessaturação Absoluta"). Sempre instável, a câmera acompanha Ree a certa distância, buscando evidenciar a solidão da garota através de planos abertos onde, enquadrada em um dos cantos, a moça surge sozinha naquele ambiente hostil. Aliás, a direção de arte é uma das grandes vitórias da película, pois cria a ambientação definitiva para a jornada da protagonista: além das árvores de galhos tortos constantemente cercando tudo e todos, os cenários são sempre sujos, cheios de lixo, pedras, pneus, madeira e outros elementos atirados pra tudo que é canto. Até mesmo as roupas das personagens estão sempre meio rasgadas e sujas, ajudando a criar aquele clima meio selvagem, de viver quase sempre no limite e tal. Completa a balbúrdia uma trilha minimalista, que, tal qual a sorte, surge bem de vez em quando, além de muitas vezes se originar do próprio filme.
O elenco homogêneo atua com a qualidade e entrosamento do time do Barcelona, evitando cair em interpretações caricaturais que poderiam comprometer a seriedade da coisa. Mas seria crime federal passar por este tópico sem citar a atuação sensível de Jennifer Lawrence: mantendo uma postura serene e um tom de voz controlado, ela se integra com perfeição àquele mundo, reforçando a imagem de Ree como uma garota criada em um ambiente hostil e que o aceita como seu habitat natural. Por isso os poucos e pequenos sorrisos são tão cativantes, acendendo uma esperança de que a garota não tenha se tornado tão fria quanto um escritório de advocacia. E por isso as poucas cenas onde ela se entrega às emoções, mesmo que não tenham exatamente uma explosão dramática, passam o coração do espectador por um moedor de carnes.
Assim, Inverno da Alma é uma longa, dolorosa e solitária caminhada, mas uma que nos apresenta a uma personagem inesquecível. É impossível sair do cinema sem a sensação de ter sido atingido por um caminhão carregando uma bomba atômica que explodiu com o impacto. Entretanto, ao invés de simplesmente ficar jogando sofrimento atrás de sofrimento na tela, como fazem o filme Biutiful do Iñarritu e a defesa do Grêmio, a película se propõe a contar uma história assaz emocionante. Uma história de força, luta e sobrevivência.
Roteiro: Charles Randolph, Edward Zwick e Marshall Herskovitz, baseados no livro O Amor é O Melhor Remédio, de Jamie Reidy
Elenco
Jake Gyllenhaal (Jamie Randall)
Anne Hathaway (Maggie Murdock)
Oliver Platt (Bruce Winston)
Josh Gad (Josh Randall)
Estamos no ano de 1996. Jamie é um sujeito carismático e divertido que trabalha como representante de uma empresa farmacêutica. Maggie é uma moça carismática e divertida que, ao que parece, trabalha em um café ou algo semelhante. Eventualmente o caminho de ambos acaba se cruzando, e daí descobrimos que o irmão de Jamie foi chutado pela mulher, que Maggie tem Parkinson, que Jamie quer crescer na empresa, que os representantes farmacêuticos utilizam-se de diversas artimanhas, que o Viagra foi inventado, que a Anne Hathaway tem um corpo deslumbrante e que finais piegas continuam estragando bons filmes.
Quando fez o otimo Jerry Maguire (curiosamente em 1996), Cameron Crowe brincou com algumas convenções presentes em comédias românticas, incluindo aí o famoso discurso do "depois de duas horas de filme só descobri agora que realmente te amo" no final (se vocês já assistiram ao filme, sabem qual é a cena). Pois bem, se tivesse algum Cameron Crowe na produção, este O Amor e Outra Drogas poderia conquistar muito mais do que o título de comédia romântica legalzinha - afinal, a coisa segue por um belo caminho até o final, quando, no melhor estilo ROBERTO BAGGIO, o filme isola a pelota e perde a sua chance de ser relevante.
"Been there, done that" (Baggio, sobre Amor e Outras Drogas)
Não que tudo até lá seja uma conexão banda larga: tentando transitar entre ao menos quatro diferentes tramas (o romance dos pombinhos, o mal de parkinson, o crescimento na empresa e a família de Jamie), o roteiro tira a carta "Revés" na maior parte delas. Quando Jamie alcança alguma conquista profissional, por exemplo, a coisa parece tão fácil - já que o filme não gasta tempo suficiente na trama - que o espectador só consegue fazer aquele cara de mulher durante o sexo, tipo "mas já?". Da mesma forma, as crises de Parkinson só realmente atingem Maggie quando a história precisa de algum conflito dramático, sumindo da película assim que a vaca já foi pro brejo no relacionamento dela com Jamie. E a presença de Josh Randall, irmão de Jamie, só consegue ser uma tradução visual para a famosa sigla internética "WTF?", sendo responsável inclusive por uma das cenas mais bizarras de dispensáveis do ano (ok, o ano só começou agora, mas dizer "do ano" dá a força necessária pra frase).
Entretanto, e este é um grande "entretanto", quando se concentra na relação entre Jamie e Maggie o filme abre seu caminho à força até o coração do público. Pra início de conversa, a forma como as duas personagens são apresentadas já as tornam interessantes: Jamie surge como vendedor em uma loja, carismático, dançando e conquistando clientes; e Maggie surge com um dos seios de fora. A partir daí, Amor e Outras Drogas desenvolve entre ambos uma relação adulta, construída a partir de cenas que ilustram bem a intimidade do casal, como a conversa no sofá, as conversas na cama, e, claro, o sexo intenso. Ajuda bastante tudo ser fotografado em cores quentes como se não houvesse amanhã, transmitindo ainda mais o calor e a paixão entre o casal - e vejam como até mesmo o desorganizado apartamento de Maggie surge aconchegante, agindo como uma espécie de "refúgio" onde eles podem fazer o que quiserem, falar o que quiserem e conseguem viver em seu próprio mundinho, sem preocupações externas. Caberia dizer aqui também que tais cenas possuem uma lacrimejante mise en scène, mas, com Maggie nua ou seminua em quadro, isso não é mais um mérito do que uma obrigação.
Claro que a coisa só dá certo porque Jake Gyllenhaal e Anne Hathaway venderam a alma ao diabo em troca da química perfeita e total, e parecem estar realmente possuir aquele laço único que une homem e mulher (além da gravidez, digo). Além disso, Gyllenhaal mostra-se bastante à vontade tanto em cenas mais intimistas como quando Jamie precisa TAGARELAR com médicos e secretárias, exibindo um ótimo timing cômico e carisma de sobra. Já Anne Hathaway desfila uma beleza arrebatadora pra lá e pra cá, fazendo com que não apenas o protagonista se apaixone perdidamente por ela, mas também o público. Cada piadinha, cada trejeito, cada sorriso são como uma injeção de CRACK que deixa a galera extasiada só em ver a atriz. Fico questionando que tipo de iluminação BÍBLICA usaram pra rodar as cenas, pois a moça deve eclipsar até o Sol, que dirá alguns holofotes fanfarrões.
Assim, é uma pena que Amor e Outras Drogas acabe de uma forma tão piegas que até os fabricantes do bombom "Sonho de Valsa" recusariam o terceiro ato como comercial para o produto. Mais do que isso, a película se mostra extremamente apelativa ao usar o mal de Parkinson como desculpa para causar um conflito que resulta no final piegas já citado. O resultado com certeza seria bem melhor se as tramas tivessem menos importância, deixando que a relação entre Jamie e Maggie fosse o único fio condutor da narrativa e a luta dela contra o Parkinson tivesse alguma relevância dramática. Ou se o diretor botasse mais cenas de Anne Hathaway como veio ao mundo.
Cisne Negro - O Vencedor - A Origem - O Discurso do Rei - A Rede Social - Minhas Mães e Meu Pai - Toy Story 3 - Bravura Indômita - Inverno da Alma - 127 Horas
Minhas Mães e Meu Pai foi indicado apenas pela famosa Síndrome de Pequena Miss Sunshine. E O Escritor Fantasma não ser indicado é uma clara punição por Polanski ter feito sexo com uma menor de idade na década de 70.
Melhor Diretor
Darren Aronofsky (Cisne Negro) - David Fincher (A Rede Social) - Tom Hooper (O Discurso do Rei) - David O. Russel (O Vencedor) - Bróders Coen (Bravura Indômita)
Estou organizando uma multidão furiosa com tochas para queimar o Kodak Theater pela ausência de Christopher Nolan na lista. Interessados devem levar seus próprios isqueiros.
Melhor Ator
Jeff Bridges (Bravura Indômita) - Jesse Eisenberg (A Rede Social) - Colin Firth (O Discurso do Rei) - James Franco (127 Horas) - Javier Bardem (Biutiful)
Colin Firth já estaria com a taça na mão se Jeff Bridges não usasse um tapa-olho em Bravura Indômita, o que o bota em condições iguais na corrida. Franco sairá derrotado porque apresentará o Oscar, e ficar ao lado da Anne Hathaway já é por si só um prêmio.
Melhor Atriz
Nicole Kidman (Reencontrando a Felicidade) - Jennifer Lawrence (Inverno da Alma) - Natalie Portman (Cisne Negro) - Michelle Williams (Blue Valentine) - Annette Benning (Minhas Mães e Meu Pai)
Natalie Portman vencerá, e seu sorriso no palco será tão doce que fará chover CHOCOLATE BRANCO.