A Origem (Inception)
5/5
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan
Elenco Leonardo DiCaprio (Cobb) Joseph Gordon-Levitt (Arthur) Ellen Page (Ariadne) Marion Cotillard (Mal) Ken Watanabe (Saito)
Tal qual Martin Luther King, Cobb tem um sonho - entretanto, em seu sonho ele irrompe nos sonhos alheios para tocar o terror e roubar informações de suas vítimas. Sem chance de ver seus filhos pois foi acusado de matar sua esposa, Cobb vê a chance de redenção quando o milionário Saito requisita seu serviço para um propósito diferente: ao invés de roubar ideias, pede que ele implante uma ideia na mente de seu concorrente. Sim, Cobb é contratado para fazer exatamente o que a Veja faz, mas de forma mais sutil.
Nem Batman, nem Homem de Ferro, nem Kick-Ass: o verdadeiro super-herói de Hollywood atende pelo nome de Christopher Nolan. Tudo bem, o sujeito não usa capa nem uma cueca por cima das calças, tampouco possui um alter-ego igual a ele sem que alguém perceba, mas é Nolan quem realiza filmes que devastam a mente do espectador e bilheterias mundo afora. A Origem é mais do que prova disso, uma obra original até o COPIÃO (embora dê pra encontrar vestígios de Matrix, Sinédoque, Nova York, Ilha do Medo e até mesmo de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças), complexa, que não se rende ao fácil e testa a todo momento a inteligência do público, e que mesmo assim está arrecadando somas monetárias que outros blockbusters apenas sonharam (piada infame, mas obrigatória).
"Apareça aqui de novo com um cabelo mais lambido do que o meu e a cobra vai fumar!"
Com uma trama que oferece mais possibilidades do que a zaga da Argentina, seria fácil o filme se perder em devaneios. Mas não, Nolan mantém o controle o tempo todo. Cria uma lógica interna para A Origem e nunca, jamais, nem que o céu caia sobre a cabeça dele, abandona ou contradiz ela. É um roteiro totalmente redondo e à prova de "ah, mas ele não explicou isso" para uma história que em seu ÂMAGO seria bastante propensa a oferecer "furos" - como se Nolan tivesse escrito a trama e depois vestido ela com um COLETE À PROVA DE BALAS. Ajuda bastante a película assumir no início uma estrutura de "filme de assalto", onde somos apresentados a cada integrante da equipe e Ariadne, na função de CAÇULA da galera, torna-se um motivo para que a BALBÚRDIA toda seja explicada ao espectador de maneira orgânica. Toda essa base fornecida inicialmente é o que impede o cérebro do público de de praticar CONTORCIONISMO quando o plano de Cobb é colocado em prática, e é impressionante como, dentro das intrincadas ligações entre os sonhos, o filme se mantém claro e coeso. E olha que em nenhum momento apela pra soluções do tipo "ah, ele é especial, então pode furar todas as regras até aqui indicadas". Cada etapa é construída com tanto cuidado que o espectador sequer duvida que a ação X resultará na reação Y, mesmo que, fora de contexto, qualquer uma das duas soe como uma CONVOCAÇÃO DO DUNGA. É um filme sobre sonhos que, paradoxalmente, cria uma realidade sólida e crível.
Parte disso se deve também às escolhas visuais, uma sucessão de vitórias como há muito não se via. A fotografia sóbria e bastante enamorada de sombras (exceto em determinadas memórias felizes de Cobb, quando as cores quentes entram em campo pra fazer bonito) ajuda a criar não apenas a "solidez" daqueles mundos, como também um clima de tensão desumano (que também é resultado dos acordes pesados, carregados e apavorantes da trilha de Hans Zimmer). Daí vem a direção de arte e cria mundos totalmente baseados na realidade e bagunça eles como se não houvesse amanhã, além de se preocupar com detalhes que contribuem para formar a personalidade de cada personagem (notem como Arthur, o "sem imaginação", veste sempre roupas certinhas e sóbrias, e os mundos que cria possuem estruturas tradicionais e sempre retas). E à esse elenco somam-se efeitos especiais desnorteadores. É sério. Impressionante como até mesmo as coisas mais absurdas possuem "peso" suficiente para se integrarem perfeitamente à cena. Os caras são tão arrogantes que fizeram uma PANQUECA utilizando como massa a CIDADE DE PARIS, e o fizeram de uma forma perfeitamente crível! Anabolizantes na equipe de efeitos especiais é a única explicação possível.
Tudo isso trabalha em conjunto para que Nolan cria sequências arrebatadoras, como a já citada de Paris, ou a que Ariadne desce em um elevador, ou uma briga em um hotel enquanto uma van capota (nunca achei que fosse escrever uma frase assim). É um filme tão cheio de soluções e rimas visuais que só posso defini-las como CHORO COMPULSIVO POR PARTE DO PÚBLICO. Os momentos em que a realidade interfere nos sonhos, então, são dignos de se atirar no chão gritando "eu não mereço! Eu não mereço!". Com enquadramentos elegantes, o diretor jamais foge da estética proposta, e utiliza a câmera lenta com bastante propriedade para ilustrar a diferença de tempo entre os sonhos. E também para construir um clímax absolutamente angustiante, cujo desdobramento, mesmo sendo um exercício de lógica interna, é pura poesia visual.
Deixando de lado a intensidade levemente exagerada que costuma ter, Leonardo DiCaprio assume com naturalidade o centro do filme, economizando nos trejeitos e movimentos (o que passa a sensação de que Cobb é experiente e está sempre seguro do que faz) mas abraçando bem o drama quando necessário. Joseph Gordon-Levitt, de cara sempre fechada, transmite a serenidade necessária com o "racional" do time, e Ellen Page, sei lá como, INCITA carisma só de aparecer em cena. O resto do elenco, sem dúvida tentando almejar um papel no novo Batman, cumpre com louvor suas funções - destaque para Marion Cotillard, cuja beleza e presença são tão fortes que, mesmo quando ela não está em cena, sentimos sua "sombra".
Para colocar uma ideia na cabeça de alguém, Cobb explica, é preciso reduzi-la à sua forma mais básica e plantar ela como uma semente na mente alheia. Pois bem. Logo no início de A Origem, Cobb pergunta a Saito "como você sabe que isto não é um sonho?". É uma pergunta direta, objetiva, e relacionada apenas com aquela situação, com aquele momento. Mas essa pergunta planta uma semente na cabeça do espectador. Que vai sendo regada no desenrolar da película, absorvendo todas as informações e acontecimentos. Duas horas depois, assim como Cobb e sua equipe se propuseram a fazer com a vítima, Nolan conseguiu colocar uma ideia diferente na cabeça de cada espectador.
Ideias essas que vão suscitar discussões e pontos de vista completamente distintos após o espetacular plano final do filme. Marcadores: oscar 2011, Peliculosidade |