A Árvore da Vida (The Tree of Life)
5/5
Direção: Terrence Mallick
Roteiro: Terrence Mallick
Elenco
Brad Pitt (Sr. O'Brien)
Jessica Chastain (Sra. O'Brien)
Sean Penn (Jack adulto)
Hunter McCracken (Jack criança)
A Árvore da Vida conta a bela e filosófica história de um monte de imagens bonitas e acompanhadas de questionamentos filosóficos em off. Ah sim, e também acompanhamos a rotina de uma família enquanto ela... bem, enquanto ela vive e coisas rotineiras e filosóficas acontecem ali no meio.
Terrence Mallick é um sujeito que parece ter a natureza no seu círculo mais íntimo de amigos. Certamente a chama pra jogar pôquer na sexta de noite ou para tomar uma cerveja. Isso é algo que fica bastante claro em sua filmografia, onde muitas vezes a paisagem é quase uma personagem e também sofre com as circunstâncias da história. Assim, não é surpresa que A Árvore da Vida represente de forma lacrimejante a força da natureza e a presença insignificante do homem perante toda essa balbúrdia.
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A ausência de uma estrutura narrativa sólida a princípio pode ser confusa que nem uma convocação da seleção brasileira (o filme com frequência zomba da linearidade, se mistura com flashbacks, flashforwards, cenas de dinossauros, e por aí vai), mas tudo faz parte do plano do titio Terrence para provocar a reflexão no espectador. Assim, o diretor prefere se ater mais ao arrebatamento emocional e à construção de conceitos através de imagens do que entregar ao público algo mais palatável - uma linguagem mais complexa, claro, e não necessariamente melhor ou pior do que outras, mas que se aplicou perfeitamente a este caso.
A Árvore da Vida começa enfocando uma tragédia familiar, e já aí Mallick mostra o poder de sua câmera, ao deixar a Sra. O'Brien pós-tragédia sempre deslocada, quase fora do quadro. Esse tipo de MALANDRAGEM permeia o filme de cabo a rabo, criando momentos tão cheios de significado que possuem mais conteúdo do que muitas pessoas por aí (inclusive algumas estavam comigo na sala de cinema. Mas divago). Assim o velhote Mallick nos leva a um passeio pela dor da família para, logo depois, em uma decisão que qualquer um de nós também faria, mostrar o início dos tempos (há até um momento que mostra duas galáxias, uma em formato fálico e outra de ovário, simbolizando esse nascimento). É quando, através de algumas das imagens mais deslumbrantes que você já viu numa tela de cinema, somos levados a presenciar todo o poder e a força da natureza enquanto, através de narrações em off, algumas das personagens questionam a ausência de Deus.
A diferença entre a natureza e a fé já havia sendo apresentada no início, quando a Sra. O'Brien fala da diferença entre a "Graça" (boa, cheia de amor e compaixão) e a "Natureza" (dura, rígida, enfim, algo que não é flor que se cheire, com o perdão do trocadilho). Mas, ao longo da produção, Mallick parece querer desafiar essas concepções. Sim, a natureza parece começar fazendo bullying aloprado, com um monte de explosões e coisas gigantescas indicando que somos o CQC do universo (= insignificantes). Só que a divindade, a "graça", também parece dura na queda, ignorando as súplicas e dúvidas que são feitas. E a determinado momento, quando os dinossauros ainda eram os patrões do lugar, vemos um desses bichos poupando a vida de outro por pura compaixão. A natureza não parece tão bicho do mato agora, parece?
A partir daí, vamos acompanhando a evolução da vida, e as alterações nas pequenas células mostradas por A Árvore da Vida se assemelham bastante visualmente às imagens do universo que a produção já mostrou. A sucessão de eventos leva ao nascimento de Jack, filho dos O'Brien. A amplitude conferida por Mallick às cenas da evolução (ainda que sejam de coisas microscópicas) e ao nascimento do pimpolho dão a entender que um ser humano, mesmo que insignificante, é ele próprio um universo também.Assim, Jack cresce dividido entre a bondade de sua mãe (sempre banhada em luz, com figurino claro e leve, frequentemente tendo uma paisagem bonita ao fundo) e a rigidez do pai (corte de cabelo militar, movimentos contidos, sempre com a mão sobre os ombros dos filhos, representando a pressão que coloca sobre eles). Uma divisão semelhante àquela entre "graça" e "natureza" apresentada no início. Mas aos poucos vamos percebendo que eles, sendo um universo também, abrigam as duas coisas, embora de forma distintas: enquanto o Sr. O'Brien possui uma fé pragmática (ir à igreja, rezar na hora das refeições) e suas relações com a natureza são sempre no sentido de construir ou reparar alguma coisa (a grama, a árvore, a horta, etc), a Sra. O'Brien parece fluir com tudo, levando a fé a níveis mais filosóficos e vivendo em extrema comunhão com a natureza (é abordada por animais, passeia descalça pela grama, vive caminhando pro entre árvores e vegetação em geral, etc.).
"Pai, mãe, vocês dois lutam dentro de mim. Sempre lutaram, sempre irão lutar". Jack cresce dividido entre o amor da mãe e a dureza do pai, mas sempre pendendo pro lado do velho (que, afinal, é o exemplo de homem que o guri tem. E também porque já comeu a Angelina Jolie, né). Daí quando descobre que nem Deus nem seu pai precisam ser bons, o pimpolho decide não jogar no time dos bonzinhos que sua mãe tanto prega (algo que Mallick representa ao mostrar um túmulo com a inscrição "Gracy", mesma pronúncia de "grace", que é "graça" em inglês). Despido da graça e acreditando que o mundo é só dureza, Jack cresce para substituir as árvores da vizinhança por megalomaníacos arranha-céus (percebam que Mallick filma os prédios no mesmo contra-plongée que filma as árvores), vivendo a fantasia do pai (torna-se um sujeito de sucesso) mas longe do calor e paixão da mãe (sua amargura fica clara na câmera inquieta, nas constante expressão de tristeza, na claraboia que simboliza sua prisão e no seu apartamento, branco e sem vida - a única planta que entra ali já está morta).
Mas isso não é tudo: o filme vai e vem no tempo e no espaço, explorando as características de suas personagens para provocar questionamentos filosóficos. E faz isso utilizando uma pá de planos-detalhe e cenas que fazem às vezes de roteiro e nos entregam características do personagem ou da história. É impossível elencar todos os simbolismos aqui, embora alguns sejam mais fortes (o casal separado pelo vidro; a árvore sem folhas após a morte de um dos filhos da família; Jack nadando pra fora do lar cheio de água ao sair do útero). É um trabalho minucioso, cuidadoso, que resulta em uma experiência extremamente intensa. E não só o público é arrebatado pelo visual do filme como sai da sessão repleto de questionamentos na cabeça.
Além da trilha que ora soa intensa ora soa quase gospel e de saber quando deixar tudo na quietude total (há algo de mágico em ver o universo nascendo sem som nenhum), Mallick trabalha com um elenco mais afiado do que diálogos do Aaron Sorkin: sempre com movimentos contidos, tom de voz controlado e expressão de poucos amigos, Brad Pitt ilustra bem a pressão que o Sr. O'Brien põe sobre seus filhos, contrastando totalmente com a leveza, doçura e o olhar constantemente apaixonado que Jessica Chastain imprime à Sra. O'Brien (sem falar, claro, da beleza quase injusta da moça). E se Sean Penn expressa bem a angústia de Jack nos poucos minutos em que aparece em cena, Hunter McCracken convence o espectador com folgas de todo o FUZUÊ que assombra a cabeça do Jack jovem.
Mais uma vez Terrence Mallick chama na filosofia e deixa todo mundo pra trás. A Árvore da Vida é tecnicamente irrepreensível e uma daquelas obras atemporais, que continuam pertinentes em qualquer década, em qualquer século, em qualquer mundo ou dimensão. Um filme corajoso que expressa suas ideias através de cenas mais lindas e apaixonantes do que a Olivia Wilde suada e bebendo cerveja. Cento e trinta e nove minutos de pura magia cinematográfica.