Quando Liam Gallagher aprochegou-se do microfone e disse "I'd like to call Wonderwall", a certa altura do evento destruidor do universo chefiado pelo Oasis, pude perceber o incrível milagre da multiplicação das câmeras digitais: de todo canto alguém sacava sua Sony n64 play2 pra gravar a canção. As máquinas procriaram como coelhos, espraiavam-se pelo ginásio todo, cheguei a imaginar que os ambulantes estavam distribuindo tais objetos como brinde na venda de broches. Fenômeno semelhante ocorreu também no show do R.E.M., quando as primeiras notas de Losing My Religion reverberaram pelo lugar. Simplesmente, ao invés de um mar de pessoas, havia um mar de flashes porcamente utilizados.
Há apenas uma explicação racional e plausível para tamanha desfaçatez para com nossos estrangeiros cantores: a total ausência de noção das pessoas. Essa é a parte em que vocês falam que cada um curte o show do seu jeito, mas sou obrigado a lançar meu punho violentamente contra a mesa e gritar "não"! Tudo bem que alguém queira gravar uma ou outra canção, ou tirar algumas fotos, mas por favor, parem com essa mania de PRECISAR mostrar pros outros que estiveram lá e fizeram aquilo. O Oasis e o R.E.M. estavam espanando a fuça da galera com roquenrol dos melhores, e as pessoas queriam captar digitalmente o momento pra assistir depois, como se a vida fosse um maldito videocassete. Ao invés de fazer parte daquilo, elas preferiram fabricar uma prova de que fizeram parte daquilo.
Claro, exagero um pouco, mas situações drásticas exigem argumentos colocados com intensidade desproporcional e beirando o ilógico. Há vinte anos, as pessoas não pegavam suas Nikons, que mais pareciam metralhadoras, e saíam por aí fotografando músicos bêbados enquanto eles tocavam canções dignas de um prêmio Nobel. A tecnologia facilitou as coisas, trazendo essa questão de "ver para viver". Registro, logo existo. E com as maiores bandas do mundo ali, ali bem na nossa frente, tem gente que prefere botar o olho atrás de uma telinha só pra dizer depois que esteve lá e gravou um vídeo. Acho que é isso que os filmes de ficção científica dizem quando mostram que trocamos o real pelo virtual. No final das contas, parece que esse mundinho cavalga nessa direção, e os incrivelmente chatos fãs de Matrix vão sair por aí com banners contendo a inscrição "eu já sabia". Francamente.