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André - 27 abril 2009 - 23:22
Como sou o único a postar aqui, e eu mesmo estou com preguiça, resolvi apelar e postar algo que outra pessoa escreveu - no caso, este fantástico conto feito pela Anne. Divirtam-se.

Homem Comum

Sentado atrás de uma pequena e insossa mesa, sobre a qual meu nome aparece impresso numa igualmente vagabunda placa de metal, eu me sinto como se mandasse no mundo. Na verdade eu só mando em 7 funcionários mal remunerados e bastante insatisfeitos, mas não importa. Ao lado do nome na placa, resplandece a única coisa que meus olhos se dignam a ver: "chefe de departamento"

Sim, eu sou chefe e aquelas cinco letras me conferem o poder de fazer o que eu bem quero desse lugar. Algo extremamente revigorante, uma vez que - embora meu trabalho seja sumamente inútil e tedioso – existem outras pessoas que não só exercem piores e mais tristes funções, como ainda me trazem cafezinhos frescos sempre que eu peço. Afinal elas só tem um emprego; eu tenho um cargo.

Aposto como agora, você leitor, já me considera um porco chauvinista. Um homem sem escrúpulos ou moral, do tipo que chuta pombas pela rua. Está errado: eu tenho cá algum principio e não faria tal coisa com as pombas. Até porque as safadas tem um ótimo reflexo, diferente de mim, que aos 32 anos mal consigo me esquivar dos insultos da minha mulher.

Eu sou apenas uma vítima do sistema. Uma estatística sem valor na demografia brasileira, assim como você. Mas ao contrário de você, eu não me preocupo em disfarçar minha sofrível existência - que nem sofrível o suficiente é para que eu me torne digno de compaixão; nunca passei fome, tenho uma saúde relativamente forte e minha infância não foi exatamente traumática. Pelo menos não mais do que todas são. Eu sou e sempre fui um ponto nulo na sociedade, que se criou na classe média e luta pra dela não sair.

Também não fui dotado de beleza, se é que está se perguntando. O mais longe que minha aparência me levou foi ao banco de trás de um Gol 90, com uma loirinha desinibida no terceiro ano da faculdade. No mais, minha esposa costumava dizer - antes de se afeiçoar à idéia do divórcio - que se encantou mesmo pela minha inteligência. Conversa: golfinhos são inteligentes e ninguém nunca se casou com um. A verdade é que as poucas e felizes noites de sexo irresponsável da minha vida foram fruto de muita insistência e uma certa dose de álcool.

Infelizmente não tive muito tempo para exercitar tais técnicas de conquista. Numa dessas noites em que a tequila falou mais alto que a razão, acabei arranjando um filho, um casamento falido e a pior ressaca da minha vida. Embora já conhecesse minha esposa há anos, nunca cogitei a possibilidade de manter com ela algo mais sério que um fim de semana na praia. Ela, no entanto, parecia nutrir por mim uma espécie de amor platônico, desde os tempos de colégio, quando dividíamos a mesma sala de aula e o lanche no intervalo.

Quando recebi a notícia de que ela estava grávida, foi como se uma bola de baseball, lançada por uma bazuca, houvesse acertado meus testículos. Duas vezes. Posso jurar que o quarto ao nosso redor deu algumas piruetas e o mundo entrou em slow motion. Não me parecia plausível a idéia de que um cara, que não conseguia pagar as próprias multas de trânsito, pudesse se tornar responsável pela vida de outra pessoa. Ou melhor: de duas.

Então, coloquei as mãos na cabeça e fiz o que qualquer homem na minha posição faria: entrei em pânico.

Claro que ela esperava uma reação mais calorosa. Algo como um choro compulsivo, declarações de amor eterno e meia dúzia de rojões. Bem, eu estava bastante perto do choro compulsivo, se adianta saber. Pelas próximas duas horas, ambos debatemos nossas opções: aborto foi logo descartado – ela era de família religiosa e parecia acreditar que nós pegaríamos perpétua sem direito à condicional no inferno por isso. Apesar das outras possibilidades não me parecerem menos terríveis – e da certeza de que a reação dos pais dela, ao receberem as novas, colocaria o Apocalipse no bolso – aquela idéia também não me agradou. Decidimos ter o filho.

Desde então minha vida foi uma sucessão de insatisfações constantes que, com sorte, podiam acabar em momentos de alegria passageira. Marcamos o casamento pra maio, por que essa parece ter sido uma das condições impostas pelo pai dela, caso eu não quisesse ser castrado. A cerimônia foi cara, mas saiu do jeito que a minha mulher esperava. O vestido, as alianças, o bolo, a roupa refeita trinta vezes das damas de honra, cada lembrancinha enrolada em fita dourada, estava tudo lá. E por incrível que pareça, até o noivo apareceu na hora do sim.

Por falar em bolo, não sei se foi culpa de algum ingrediente, mas logo após a lua de mel – passada numa paradisíaca praia, a 2 horas de casa e tudo que meu dinheiro podia pagar – minha mulher começou a repensar nossa recente união. Ela gosta de dizer até hoje que eu ronquei durante duas noites, antes de resolver cumprir meu “papel de marido”. Erro meu; ter arcado com quase todas as despesas da festa, agüentar o olhar psicopata do meu sogro sempre que eu chegava a menos de 2 metros dele e encontrar um lugar decente pra abrigar minha mais nova família obviamente não eram coisas que me abonassem como marido.

Enfim, os meses foram se passando. Quando o Henrique nasceu, senti a mais genuína felicidade que um ser humano pode experimentar na vida. Era como se, de repente, todos os sonhos e desejos dos quais eu havia aberto mão durante aquele tempo, culminassem num único e arrebatador momento de alegria. Eu era pai e nada podia mudar aquilo.

Minha mulher também parecia se sentir mais confortável no papel de mãe que no de esposa. E aquilo não me importava: durante alguns anos eu realmente sublimei a vida apática que estávamos levando, porque o bem estar do Henrique era tudo o que me preocupava. E ele era um garotinho extremamente feliz com a fantasia de família que havíamos construído.

Em 3 anos passamos de marido e mulher à cão e gato. Tudo o que eu fazia era motivo pra que uma discussão infindável e recheada de lamúrias começasse. O simples fato de não levantar a tampa da privada podia gerar uma guerra nuclear sob nosso teto e, do meu lado, a compreensão também não dava as caras. O jantar nunca estava bom o suficiente, não importa o quanto ela houvesse trabalhado nele. Minhas roupas sempre estavam mal passadas, ainda que não apresentassem vinco algum.

Como era de se esperar, pouco depois do Henrique completar 4 anos, veio o divórcio. Já que havíamos casado sem separação de bens, minha mulher levou boa parte do meu dinheiro, da minha paciência e também a guarda do nosso filho.

Claro, havia as benevolentes visitas e os eventuais finais de semana pra que eu pudesse exercer minha paternidade. Mas, além da pensão, parecia que não havia nada que eu pudesse oferecer que fosse satisfatório pra ela. Às vezes me perguntava pra onde aquela paixão colegial havia ido. Ou quando havia se tornado ódio. Nunca encontrei a resposta e – eventualmente – também parei de procurar.

Hoje em dia sou um cara na casa dos trinta, divorciado, pai aprendiz, com algum dinheiro e uma tímida, porém promissora, calvície em desenvolvimento. Definitivamente, minha vida não vem saindo como eu planejei. Mas acho que ainda existe tempo pra fazer alguma coisa com ela. E no momento, o que eu realmente quero fazer é beber um cafezinho quente, bem aqui, na minha insossa e pequena mesa de chefe.
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