Kenoma4/5
Direção: Eliane Caffé
Roteiro: Eliane Caffé e Luis Alberto de Abreu
Elenco:
José Dumont (Lineu)
Mariana Lima (Tari)
Enrique Diaz (Jonas)
Jonas Bloch (Gerônimo)
Mateus Nachtergaele (Pedro)
Ao chegar numa cidadezinha (mas "inha" MESMO), o errante Jonas encontra um sujeito obcecado por criar uma máquina auto-suficiente, um tiozão que não curte nem um pouco essa idéia e tem outros planos pra cidadezinha (que é MUITO "inha"), uma moça quieta e que deixa o andarilho atraído, entre outros.
A aparência calma e tranquila da cidade de Kenoma reflete o ritmo da narrativa: cadenciada, lenta, sem grandes explosões de drama ou acontecimentos monumentais (e isso é ressaltado pela trilha minimalista e pelo
design de som, que constantemente busca o barulho de pássaros e grilos para criar uma atmosfera de calmaria). A câmera também se mantém quieta no seu canto, acompanhando o desenrolar das coisas sem interferir na história - a não ser no final, quando, ao "deixar escapar" a figura de Jonas na estrada, o plano mostra o quanto a personagem encontra-se perdida.
Aliás, este é um filme de personagens. Bem desenvolvidos pelo excelente roteiro, Jonas, Tari, Gerônimo e, principalmente, Lineu fogem da esterotipação e tornam-se cativantes à sua manteira. Fugindo do maniqueísmo, a trama apenas antagoniza duas pessoas com opiniões diferentes e força de vontade igual. E a paixão de Lineu pela máquina que sonha construir é tanta que, quando o espectador se dá conta, já foi fisgado pelo entusiasmo do cara. Não tem como não torcer pra bugiganga lá funcionar direito, pois vemos nas atitudes e nas expressões do cidadão (em uma atuação colossal de José Dumont) o significado de todos os anos em torno desse sonho - e foi justamente essa força que atraiu Jonas além, claro, da possibilidade de um bate-coxas com Tari, filha de Lineu (um romance um tanto mal-desenvolvido, mas felizmente secundário na história).
Do outro lado, Jonas Bloch consegue tornar Gerônimo uma figura palatável, fugindo da caricatura que a personagem poderia ser. Tudo bem, o cara não concorda com Lineu e não quer deixá-lo terminar o trabalho, mas é porque tem seus próprios planos de progresso e desenvolvimento para Kenoma. E se as coisas fogem do controle, é justamente porque ambos acreditam arrogantemente no seu ponto de vista.
Com exceção de uma ou outra cena (a coreografia da sequência de luta fica a desejar, por exemplo),
Kenoma é uma película que não deve nada às grandes produções. Cativante e interessante na medida certa, coloca em cena a questão do sonhador sendo minado pelo "necessário" progresso. Até onde vale a pena se arriscar por um sonho? E a partir de que momento esse sonho vira obsessão? E será que a dureza do "progresso" não traz junto com ele o conformismo? Ou o conflito entre ambos é o que realmente move as pessoas?
Talvez, no final das contas, a máquina de Lineu nunca deva ser concluída. Ele sonhava com uma geringonça que funcionasse através do "movimento perpétuo", que ganhasse força com a própria força. Mas ela foi justamente o sonho que manteve a vida do inventor girando durante vinte anos. O motivo de tantos trabalhos, alegrias e frustrações. Talvez a máquina seja a mesma coisa que os nossos sonhos de nos tornarmos grandes artistas, jogadores, famosos, ricos, especiais, até algum Gerônimo aparecer e nos puxar pro mundo real.