Difícil não se envolver nas discussões que um certo filme sobre o BOPE anda causando - até porque, sendo Tropa de Elite um fenômeno social, todos querem dar sua opinião sobre o "Capitão Nascimento", sobre a corrupção, sobre as drogas... enfim, agora todos querem falar sobre problemas que deveriam ser discutidos na mídia frequentemente, e não a cada sucesso de bilheteria (eu sei, eu sei, teoria do agenda-setting e tal).
O cinema , enquanto arte / entretenimento / publicidade / produto, pode ser discutido por qualquer pessoa com coerência, não obrigando ninguém a saber o número de leucócitos que cada frame possui para opinar(falando em um tipo de discussão relativamente superficial, claro - um advogado, um engenheiro, um médico e um estagiário de informática podem, em uma mesa de bar, realizar uma conversa decente e enriquecedora sobre determinado filme).
Mas quando a conversa gira em torno de um "filme-evento" - sobre o qual todo mundo já possui idéias pré-estabelecidas graças às propagandas - volta e meia alguns debatedores acabam se apoiando em slogans e estratégias de marketing para se justificar, falhando ao enxergar de forma crítica a obra em si (em um debate sobre o filme 300, por exemplo, é comum alguém recorrer ao argumento de "filme revolucionário" - expressão martelada insistentemente pela publicidade do mesmo -, ignorando que a película de Zack Snyder recicla idéias e técnicas de Amor Além da Vida, Snatch - Porcos e Diamantes e Sin City - A Cidade do Pecado).
Dito isto, é um absurdo que as pessoas se refiram a obras como Tropa de Elite, Cidade de Deus ou O Resgate do Soldado Ryan como sendo "a realidade". Ora, o cinema é sempre uma representação, e nunca a realidade propriamente dita. O que se vê na tela é apenas uma encenação do real, manipulada por elementos como iluminação, fotografia e edição, cujo trabalho é expor o ponto de vista do diretor. Não quero aqui dizer que a invasão da Normandia filmada por Spielberg é falsa ou exagerada, não é isso, mas ela não passa de um recurso dramático utilizado dentro de uma narrativa para provocar no espectador determinada reação (tensão, horror, medo). Um filme que quisesse fazer propaganda da guerra, por exemplo, provavelmente destacaria valores como honra, lealdade e amor à pátria (pouco abordados nos vinte minutos iniciais de O Resgate do Soldado Ryan), ao invés de se concentrar nas tripas e pedaços de corpos voando (abordados de forma maciça).
Muitas vezes, inclusive, um filme propositalmente exagerado (como Laranja Mecânica ou Assassinos por Natureza) consegue abordar um tema com mais precisão e impacto do que uma narrativa convencional. Tudo depende do que se quer dizer. No caso de Tropa de Elite, optar por um estilo "documental" foi uma decisão acertada, pois a câmera sempre chacoalhando e a fotografia escura realçam a condição marginalizada dos moradores das favelas (enquanto a iluminação clara da sede do BOPE dá um tom de impessoalidade).
Mas o cinema possuí tantas formas de abordar uma história, tantas formas de cativar o espectador, que devemos desconfiar toda vez que alguém fala "... com um realismo nunca antes visto". No final das contas, José Padilha seguindo os atores com a câmera na mão e Oliver Stone apresentado dois assassinos em uma estrutura parecida com a de um sitcom buscam a mesma coisa: provocar o espectador. Nos filmes citados, ambos obtiveram sucesso. Agora, se uma película sobre fantasmas como O Sexto Sentido consegue trabalhar melhor a questão do isolamento e das relações humanas do que um filme "realista" como Babel, quem pode dizer o que é real?Marcadores: Peliculosidade |