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... in the City of Blinding Lights
André - 05 março 2006 - 15:56
A melodia era constante, até The Edge pegar a guitarra e começar a abafá-la. Os pratos soaram e o teclado surgiu, tornando a canção épica, olímpica. No telão, as primeiras luzes surgiam, como estrelas caindo do céu. O público rugia, furioso e emocionado, pulando como um. Quando a guitarra entrou definitivamente, City of Blinding Lights já havia levado os resquícios de sanidade, frieza e perplexidade que ainda estivessem latentes, e cantar "Oh, you, look, so, BEAUTIFUL tonight" foi de arrepiar até o mais descrente fã, levando às pessoas a um choro emocionado. Sem um momento pra respirar, a bateria entrou constante. Junto com a guitarra, novamente abafada, só silenciou para ouvir o mundo parar e gritar "Uno, dos, três, CATORZEEEEE!!!!!". Os acordes de Vertigo explodiram, enquanto uma verdadeira bomba era lançada em direção ao público que, extasiado, nada podia fazer a não ser pular e gritar com toda a força dos pulmões.

As pessoas ainda cantavam o refrão quando The Edge puxou Elevation, a bateria e o baixo esperando pra entrar. Os gritos de "woo-oo" dominavam o estádio. "Oi Galera!", cumprimentou Bono, "Agora é a nossa vez". O coro de 70 mil pessoas gritando "ELEVATION!!" é quase inacreditável, e o meu espanto só não continuou porque logo a música encaixou e aí não tinha mais como pensar em outra coisa.

Primeira grande surpresa: Until The End of The World. Uma das minhas favoritas, e uma das que é menos tocada ao vivo. Lágrimas saiam dos olhos, enquanto eu abria os braços e gritava "You, you said you'd wait, until the end of the world". Um baixão pulsante depois e a obrigatória "New Year's Day" começou, levando a gurizada ao delírio e trazendo um coro emocionado de "I will be with you again".

Bono agradeceu e mandou: "Copa do Mundo: prontos para o Hexa" em português. Continuou, dando boas vindas - também em português - às pessoas de todos os estados do país. Quando a música começou, jurei que fosse Bad - porque eu REALMENTE não achava que iam tocar "I Still Haven't Found What I'm Looking For". Não apenas a beleza da música, ou a alegria das pessoas quando o vocalista deixou só o público cantar o refrão, mas também o modo como ela se tornou emblemática, por tudo que eu e esses dois amigos malucos que eu tenho fizemos para estar lá, naquela noite, naquele momento, foi algo tocante. "Nós escalamos as montanhas mais altas, corremos pelos campos". Mais uma vez, foi difícil conter as lágrimas. E eu não consegui. Nem ao menos tentei.

Para descontração geral, Bono puxou o famoso coro "Ai, ai, aiai... tá chegando a hora..o dia já vem, raiando meu bem, e eu tenho que ir embora". O público acompanhou com entusiasmo, e tudo fez sentido quando "Beautiful Day" começou. Cadenciada, a música foi cativando, até o momento em que o estádio tremia quando o refrão "It's a beautiful day!" era cantado por Bono, The Edge e mais umas setenta mil vozes. Ele ainda imitou seu amigo Ronaldo, chutando uma bola imaginária em direção ao céu, resultando em gritos de "Hexacampeão". Mais uma surpresa? The Edge no violão, e eu não acreditei quando as notas de "Stuck In a Moment" começaram. Uma música sobre ficar bem, sobre ultrapassar os problemas. Uma versão acústica espetacular, uma música fenomenal, que o público cantou com vontade.

Eu sabia que eles iam tocar "Sometimes You Can't Make It On Your Own", mas na correria toda até esquecei e bateu um "Bah, é mesmo" quando Bono falou "Esta é para o meu pai... Bob Hewson... eu te amo". A canção foi composta para o pai dele, que morreu de câncer há uns poucos anos. A música é absurdamente linda, mas no entanto não é triste, e realça os valores de união entre pais e filhos e como algumas lutas não precisam ser solitárias. De repente me veio à cabeça tudo o que meu pai está passando, e a música tomou uma dimensão gigantesca. Eu podia sentir a melodia e a letra me envolvendo, podia sentir que era parte de mim. Lágrimas jogavam do meu rosto quando eu gritava com o coração frases como "Let me take some of the punches for you tonight" e "You don't have to go it alone", não apenas pela mágica do momento, mas porque eu queria que o meu pai em Porto Alegre ouvisse. Eu queria que ele fizesse parte daquele momento, e de certa forma fez. Nunca senti nada parecido em toda a minha vida, nunca uma música tocou tão fundo em mim, e por mais que eu tente nunca vou conseguir explicar para ninguém como aquele momento foi significativo, e como a música tem um poder de cura que transcede qualquer obstáculo.

Entrou "Love and Peace or Else", e a parte política do show junto. Performático, Bono vestiu uma faixa que dizia "Coexista" usando os símbolos das religiões. Emendada com a esperadíssima "Sunday Bloody Sunday", foi uma experiência fenomenal. E certamente alcançou as pessoas - quanto "Bullet the Blue Sky" entrou na dança, o discurso foi ilustrado por um avião de guerra que voava no telão ao fundo. Bono vendou os olhos com a faixa e caminhou assim até uma das passarelas, para cantar junto do público a belíssima "Miss Sarjevo". A emoção já estava à flor da pele, mas quando o vocalista chamou um menino ao palco, o público foi ao delírio. Ao fundo, artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos iam aparecendo no telão. "Todos tem direito de serem reconhecidos como pessoas, em qualquer lugar".

Foi só acabar o último texto que The Edge puxou "Pride (In the Name of Love)", música feita para Martin Luther King. Não sei se Bono cantou bem, pois no refrão o público superava a voz dele, pulando animado. Ao final, ficaram todos cantando "Ô-ô-ôô" repetidamente, alto, muito alto. "Not only an american dream, but an european dream, an irish dream, an latin american dream..." - Bono foi falando enquanto o público cantava por trás. Pediu para que todos cantassem pelo Peru, pelo México, pela... Argentina? (tomou uma vaia gigantesca). Mesmo assim, todos continuavam cantando. Mesmo quando o teclado entrou. Mesmo quando dava pra ver qual seria a próxima música. Na verdade, só pararam quando dezenas de bandeiras do Brasil começaram a correr pelo telão. Era inacreditável. Aos primeiros acordes de "Where the Strees Have no Name", duas bandeiras do Brasil ilustravam o telão, enquanto as bandeiras dos outros países da América Latina iam passando. Era inacreditável. Como se fosse preciso, Bono ainda incentivou "Vamos lá BRASIL!!!!". Quando a música começou, as pessoas foram tomadas por uma sensação de energia tão grande que não conseguiam ficar paradas. Era inacreditável. Todos juntos ali, cantando por um só. "Where the streets have no naeme, we're still building then burning down love!". Mesmo se eu quisesse parar de pular, parar de cantar com toda a força, não ia conseguir. A parada estretágia pós-segundo refrao resultou em um jogo de iluminação espetacular, frenético. Quando a canção engatou de novo, eu continuava pulando, e as luzes haviam tomado conta da minha visão, a música havia tomado conta do meu coração, e quando ela acabou parecia que uma vida inteira havia passado em cinco minutos.

O vocalista pediu que todas as luzes se apagassem. Depois, que todos levantassem seus telefones celulares ligados e, emocionado, não pode segurar um "uau" ao ver o resultado. Ao me virar pra trás, percebi que estava no espaço, e milhares de estrelas brilhavam ao meu lado, ou a centenas de metros de distância. Mais do que bonito, foi um momento inesquecível. Começou a falar como gostava do Carnaval, pois todos podiam comemorar juntos, velhos e jovens, direita e esquerda, agindo como um só. Ao ouvir as primeiras notas da música seguinte, milhares de pessoas - eu entre elas - caíram em prantos. Tudo bem, "One" tem esse poder mesmo. Os celulares continuaram ligados durante toda a música, que causou uma verdadeira catarse coletiva. Dizer que o estádio inteiro se transformou em um seria cair no clichê, apostar em um trocadilho óbvio. Mas foi o que aconteceu, e quando a banda se despediu e saiu do palco, pude perceber: as pessoas, TODAS elas, estavam felizes.

Alguns já saiam, mas eu tinha certeza que não tinha acabado. Logo o imenso telão atrás do palco tomou vida novamente: como uma espécie de "caça-níqueis", quatro imagens diferentes iam aparecendo, aleatoriamente. O público delirou quando a sequência de imagens foi: uma foto do Ronaldo - o texto "6?" - uma imagem da taça da Copa do Mundo - uma foto do Pelé. Mas tudo mudou rapidamente, e tiramos o "jackpot", pois as quatro imagens eram o desenho de um menino que chamava "Bono! Bono! Bono!". A banda entrou, com o vocalista vestido como o astro de rock que encarnava na turnê "Zoo TV". Veio a empolgante "Zoo Station", adornada com os efeitos do palco. Depois, com uma guitarra na mão, o vocalista irlandês cantou um pedaço de uma música sozinho. Aplaudido, perguntou calmamente "Where's the Fly?". E então começou, "The Fly", poderosa e frenética. Sempre achei que ia ser uma música legal entre as grandes, mas foi muito mais. Os telões passavam frases como "Não quer ver", "Não quero ouvir", "O segredo é se desprender". Não pude conter um arrepio sempre que cantava o refrão com Bono e The Edge. "The Fly" botou tudo abaixo, sendo sucedida pela dançante "Misterious Ways", onde uma mulher foi chamada ao palco e dançava conforme a música.

A seguir, mais uma das grandes: "With or Without You". Mais uma catarse coletiva, e conforme a música ia crescendo, a voz do público crescia junto. Não tinha como não se emocionar, principalmente quando todas luzes do mundo se acenderam no refrão, cantado pelo vocalista e gritado por dezenas de milhares de pessoas. Indescritível. Inesquecível. A banda se despediu mais uma vez, e muitos levaram a sério. Mas não, não, ainda faltava. Voltaram rapidamente, com a rápida "All Because of You". Como as pessoas conseguiam pular ainda? Como EU conseguia pular ainda?

Veio uma rápida canção dos Beatles, e a belíssima "Original of The Species" logo depois. Ao fundo, no telão, traços aleatórios formavam desenhos de um coração, de um criança, de seres humanos. A música, cativante, ecoava no coração de cada um. Mesmo sendo uma das lentas, pulei como poucas vezes na vida. Eu TINHA que pular.

Foi então que, vendo The Edge e Adam Clayton trocarem os instrumentos, percebi que tudo estava para acabar. "40" começou, um salmo da Bíblia, uma melodia cadenciada e contundente ao mesmo tempo. O refrão? O refrão quem cantava era eu, o Leandro, o Bruno, e todos ali presentes. No final, apenas nós ficamos entoando "HOOW LONG... SING THIS SONG". Bono agradeceu, acenou. Pendurou um terço no microfone e, lentamente, saiu. Adam Clayton largou a guitarra, e calmamente saiu do palco também. O publico continuava, cantava com tudo que tinha. The Edge, visivelmente emocionado, parou de tocar. Ergueu um dos braços em triunfo e também saiu do palco, deixando apenas Larry Mullen, a bateria e setenta mil vozes. E, quando ele parou, o coração apertou um pouco. Ficou olhando, admirando o efeito que a música podia ter. E começou de novo, dando mais um gostinho, fazendo os gritos se encaixarem com as batidas. Mas parou. E saiu, foi em direção à passarela. O último integrante do U2 no palco, sorrindo, acenou pra todos nós. E, calmo, deixou o show. Não havia mais nada. Nada a não ser as pessoas, apaixonadas, extasiadas, cantando "How long... sing this song?". Os sentimentos eram uma mistura de alegria pelo que acabara de acontecer e decepção porque tinha acabado. Mas uma coisa era certa: ninguém jamais esquecerá daquela segunda-feira quente, daquela noite estrelada. Por quanto tempo continuaremos a cantar esta cação? Pra sempre.

"Blessings are not just for the ones who kneel.
Luckily."
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