Dizem que todo império um dia cai. Talvez seja verdade, visto que o império romano bateu as botas, o império britânico idem, e até mesmo o império galáctico encontrou seu fim em um bando de budistas com pilhas anabolizadas. Entretanto, o futebol parece ser a exceção que confirma a regra: esporte supremo desde o dia em que foi inventado, ele não dá sinais de desgaste, nem de que um dia sua supremacia possa vir a ser alcançada por rugbis, beisebols, basquetebols e coisas do gênero. Mas por que será isso? Por que será que o futebol é ao mesmo tempo tão simples e complexo, tão pessoal e universal? Refleti a respeito do assunto, buscando uma solução. E descobri que, além de ter todas aquelas características edificantes dos outros esportes (coletividade, técnica, habilidade, inteligência, etc), há algo que destaca o esporte bretão do resto: ele não pode ser compreendido totalmente. O futebol é o esporte mais popular do mundo porque ele não faz sentido.
Pra mostrar que é uma questão acima de clubes e clubismo, vamos pegar, como exemplo, o jogo de volta entra Barcelona e Chelsea pelas semifinais da UCL 2009 - e quem me conhece sabe que meu afeto por ambos os times é tão grande quanto minha vontade de tirar a roupa e abraçar um cactos. Pois bem. As duas equipes precisavam apenas de uma vitória simples ou um empate com gols para se classificar, mas no primeiro tempo o Barça já viu a laranja azedar quando Essien, a uns dois ou três DDIs de distância, disparou um download por torrent no ângulo de Valdez. Resultado alcançado, o Chelsea se refugiou em seu campo, criando uma verdadeira linha defensiva composta por namoradas ciumentas que em nenhum momento desgrudavam do barcelonista que ousasse ultrapassar o meio de campo com a bola.
Durante 90 minutos a equipe de Guardiola tentou, sem sucesso, irromper pelo Abismo de Helm inglês. O Barcelona não encontrava espaço, não conseguia jogar e não havia desferido sequer um mísero chute ao gol de Petr Cech. Havia até perdido o lateral Abidal, expulso de forma incompreensível em um lance teatral. Eis que, aos quarenta e desespero do segundo tempo, Daniel Alves, que até ali só havia tirado a cartinha "Revés" no jogo, foi à linha de fundo e cruzou - e, como fez durante toda a partida, errou. A pelota passou por toda a área e acabou nos pés camaroneses de Eto'o, que aparentemente foi mordido pela dita-cuja, pois logo a largou para Messi. Este, por sua vez, deu um passe apertado para Iniesta, que cerrou os dentes e desferiu um chute certeiro, no ângulo, sem chances para Cech. Um a um, Barcelona classificado.
Se for parar pra pensar, isso não faz sentido. Um time que jamais conseguiu criar um lance de perigo, que havia chegado tão perto do gol quanto um nerd de uma mulher, acaba se classificando não por mérito próprio, nem por falha do adversário... pelo que, então? Sem contar o chute: Iniesta é um ótimo finalizador, e vamos dizer que de dez bolas daquelas ele acertasse oito em gol - ainda que fosse um chute complicado levando em conta a posição de onde a bola vinha e o pé de preferência do rapaz. Mas ele ainda tinha pela frente um dos melhores goleiros do mundo, um que faz a muralha da China parecer uma pecinha de Lego. Quais as chances? Quais as chances dele acertar um chute elaborado em um dos raros espaços do gol onde Cech não alcançaria? Quais as chances de isso acontecer no momento certo, exato, naquele segundo específico onde tudo converge para a classificação do Barcelona?
É claro que essa chance existe, porque obviamente aconteceu, mas ela é tão ínfima e tão rodeada de variantes que é impossível não se abalar pelo mistério de tudo. É mais ou menos como a chuva de sapos em Magnólia: ninguém sabe o porque, como ou de onde ela veio, apenas que veio. Talvez exista até uma sequência de fatos que levou até a precipitação anfíbia, mas é uma sequência tão absurda, tão desprovida de realismo, que ela não se encaixa dentro do sentido que damos ao mundo, assim como o gol do Iniesta. Claro que podemos perceber os eventos que levaram até o capim no fundo da rede ser balançado, mas é complicado compreender o que os colocou em movimento - não foi o talento e não foi o erro. Poderíamos falar do acaso, mas este é um elemento tão misterioso quanto o mistério em si. O gol aconteceu simplesmente porque aconteceu.
Donde chegamos ao ponto principal: não existe em nenhum lugar da Terra, quiçá do universo, uma forma de medir o futebol. Ele não pode ser quantificado. Um cientista cético e com uma cabeleira separatista poderia até duvidar e colocar alguém pra recolher todos, mas todos mesmo, os dados de uma partida do esporte bretão - gols, carrinhos, faltas, escanteios, quilômetros percorridos, defesas, desarmes, laterais, ultrapassagens do ala, cruzamentos, tudo. Mas os resultados jamais serão conclusivos, porque eles são limitados demais para analisar a realidade futebolística - uma assistência, por exemplo, pode ser o passe mais importante ou o mais simples da jogada. Nada é certo. Nada é mensurável através de números, equações não-lineares ou leis racionais.A única forma de compreensão do esporte é através da opinião, da análise crítica, interpretando a relação entre os elementos em campo e a forma como ela afeta o resultado final. A única forma de extrair sentido das trajetórias percorridas pela bola é de forma pessoal e não-definitiva.
Ou seja, o futebol é subjetivo. É relativo. É interpretável. É arte.
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