Eu tenho um problema com as bulas de remédio. Tenho um problema com muitas coisas, na verdade, incluindo sobremesas desprovidas de chocolate e qualquer convocação da seleção brasileira de 1995 pra cá (sentimento que Nick Hornby descreveu tão bem no magistral Febre de Bola), mas as bulas realmente são danadas. Vejam bem, eu sou um sujeito facilmente impressionável. Quando vi Sinais no cinema, 18 anos e quase meio cavanhaque na cara, fiquei tão apavorado que, ao voltar pra casa, olhava para os lados para ver se algum dos alienígenas do filme ia dar as caras por ali (felizmente, nenhum deles. Só alguns poucos usuários de crack. Alívio). Assim, toda vez que eu leio uma bula de remédio, e meu olho se choca com aquele espaço intitulado "efeitos colaterais", eu passo imediatamente a sentir cada um deles.
PROVA EMPÍRICA: Teve um ano que eu tomava muito Plasil. Muito. Tipo, quase todo dia. Ok, talvez nem tanto. Enfim. O Plasil sempre me dava uma leve sonolência, que eu considerava normal. Daí um dia, provavelmente possuído pelo demônio, fui ler a bula do dito-cujo. E descobri que eu estava errado - ele não dá sono, dá MUITO sono, e meu organismo rapidamente se adaptou às novas informações. Também descobri que ele podia causar depressão, e adivinhem? Cada vez que tomava Plasil, me transformava em um filme do Iñarritu. FIM DA PROVA EMPÍRICA
Afinal, o que as bulas entregam de bom? Qual o efeito delas, a não ser uma futura miopia graças às letrinhas em fonte tamanho dois dividido por quatrocentos e oito? Pensem bem, a informação da bula nada mais é do que o truque por trás da mágica - e, sem o mistério, a mágica não funciona. Imaginem se a Coca-Cola viesse escancarando tudo que os caras usam pra fazer um líquido preto e gasoso e viciante, ou que, ao invés das fotos bonitas e sacadinhas de texto, o McDonalds colocasse nas caixinhas dos sanduíches que eles são feitos com CARNE DE RENA TRANSGÊNICA. As pessoas imediatamente passariam a sentir o gosto da rena transgênica, ou do sangue de alien usado pra deixar a Coca-Cola preta.
Acredito que existam duas soluções possíveis. A primeira, mais radical, é aniquilar, triturar, desossar e saquear todas as bulas de remédio do mundo. A segunda, mais moderada (e preferida pela Globo), é utilizar expressões coloquiais na parte de efeitos colaterais - ao invés de "sonolência", colocar "dá um baque no cara"; ao invés de "depressão", colocar "tipo mina levando toco"; ao invés de "pressão baixa", colocar "trabalhar no funcionarismo público". E assim por diante. Afinal, é a ilusão, e não a risada, o melhor remédio.
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