Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises) 5/5
Direção: Christopher Nolan Roteiro: Christopher Nolan e Jonathan Nolan, baseados em história de Christopher Nolan e David S. Goyer e na personagem criada por Bob Kane
Elenco Christian Bale (Batman / Bruce Wayne) Tom Hardy (Bane) Michael Caine (Alfred)
Anne Hathaway (Selina Kyle) Morgan Freeman (Lucius Fox) Gary Oldman (Jim Gordon)
Oito anos após seu devastador confronto com o Coringa, Batman é agora um aposentado recluso em sua mansão e com fama de excêntrico (porque antes, quando vestia uma roupa de morcego e saía pela rua tocando o terror nas pessoas, ele era normal) - e Gotham, graças à mentira perpetrada por Batman e Gordon, tornou-se uma cidade muito mais pacífica e honesta. Mas eis que do nada chega um sujeito chamado Bane, que, com um intrincado plano e seu COSPLAY DE SUB-ZERO no rosto, comete o bullying total na cidade. Daí é claro que Bruce Wayne precisa ser homem, vestir sua roupa de látex e sair para ver a Anne Hathaway de roupa justinha e salvar o dia (nessa ordem de importância).
Acabou. Em Batman Begins, de 2005, fomos apresentados a um justiceiro traumatizado, alguém tão heróico quanto complexo que perpetua eternamente sua tragédia para evitar que ela se repita com outros. Em Batman - O Cavaleiro das Trevas, de 2008, a história ganhou contornos ainda maiores: descobrirmos não só as limitações dessa figura ao encarar seu nêmesis, mas o sacrifício de ignorar essas limitações em prol da GURIZADA. E agora Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge fecha a trilogia com vitória - ainda que o filme possua certos problemas inexistentes nos dois primeiros, o resultado final é tão acachapante que não há como negar que Christopher Nolan vendeu a alma ao TINHOSO.
Contemplem o futuro das bombinhas para asmáticos.
Já na largada a produção liga o modo adrenalina e nos apresenta a Bane, construindo, nos poucos minutos de uma sequência sensacional, um vilão racional, poderoso, que encara sua missão como algo sagrado - uma apresentação que deixa um voz dizendo na cabeça do espectador "é, a cobra vai fumar". Aliás, Bane ganha ainda mais força ao Bruce Wayne vir à tona pela primeira vez: provando que Rachel Dawes estava certa no segundo filme, Bruce não vive sem o Batman. Forçado à aposentadoria graças à mentira para inocentar Harvey Dent, o bilionário torna-se um fantasma de pessoa, abdica de viver, algo que o filme ilustra vitoriosamente através dos lençóis nos móveis da mansão (mesmo ela estando ocupada) e na bengala que suporta o protagonista (sem Batman, Bruce está incompleto; virou um aleijado, perdeu uma parte importante de si. Seu joelho só melhora quando, finalmente, retoma o manto do morcego - quando está completo).
Assim, Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge começa na complexidade total, tornando o herói do filme eternamente destinado a ficar preso em sua tragédia. E, para atravessar o coração do espectador com ainda mais arpões, faz o mesmo com duas das principais figuras da trama, Gordon e Alfred - o primeiro chega a viver quase uma vida dupla, de tão assombrado que é pelas decisões tomadas ao final do segundo filme (e é cativante perceber, em determinada cena, Gordon trabalhando ao lado do bat-sinal quebrado, como que tentando não abandonar o herói); o segundo, percebendo a força da ameaça e que Bruce não está mais na idade de sair fazendo farra à noite, tenta a todo custo fazer com que o bilionário siga em frente e passe a ter uma vida própria, que não seja dependente do Batman.
Ao longo da projeção, essas questões vão sendo desenvolvidas junto com a trama, que envolve um plano de Bane para SARACOTEAR Gotham de cima a baixo. É uma história mais complexa do que as anteriores, no sentido de que envolve mais personagens e mais situações - e infelizmente, na falta de tempo para desenvolver tudo, a produção acaba apelando para algumas coincidências inexplicáveis e saídas fáceis para dar andamento à balbúrdia (o operário no caminhão, Blake descobrindo um segredo, todos os policiais entrando nos túneis, entre outros). Não é algo que comprometa, pois são momentos isolados, mas é o tipo de coisa que se esperaria ver em um filme-blockbuster da Marvel, não no Batman descomunal do Nolan. Até porque, para dar tempo de colocar cenas que amarrem toda a brincadeira, é necessário sacrificar minutos importantes de momentos chave, como uma determinada conversa entre Bruce e Alfred, que passa a sensação de ser rápida demais.
Mas, tal qual um lateral direito ruim em um time, essas falhas não chegam a atrapalhar o andamento da obra. Porque Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge pega a palavra "épico", mastiga e a cospe no chão. Contando com os já tradicionais ótimos diálogos ("a vitória derrotou você"), ótimos momentos cômicos ("você me liga?") e reviravoltas no final, o filme carrega o público com facilidade através de suas duas horas e TANTOS MINUTOS. A galeria de personagens é como um buffet onde todos os pratos são torta de chocolate, cada um tendo suas características bem definidas e se tornando interessante frente ao público: Bane não é só um neandertal qualquer, mas um sujeito inteligente, treinado, com conhecimento, que possui uma visão bem definida do mundo e do seu plano; Selina Kyle é esperta, espirituosa, divertida e sempre imprevisível (e é interessante perceber como, em um Batman calcado no mundo real, os óculos que ela usa formam duas "orelhas de gato" quando levantados); John Blake cresce ao longo da projeção, ganhando liderança e experiências que serão determinantes para o final de sua história no filme; entre outros. São personagens que conquistam o espectador - essencial para que o público se envolva na brincadeira e realmente sinta os conflitos e consequências e resultados daquelas ações.
Trabalhando sempre com uma fotografia dessaturada e escura, para tornar Gotham mais cinzenta e próxima à realidade, Christopher Nolan mais uma vez cria uma atmosfera tensa, perigosa, de "vaca indo pro brejo". O diretor possui uma visão muito bem definida das personagens (Bane, por exemplo, é constantemente enquadrado de baixo, realçando seu poder), para onde quer levar a história e comanda a balbúrdia com segurança, tanto nas cenas intimistas quanto nas de pancadaria generalizada - a primeira briga entre Batman e Bane, sem trilha, sem FIRULAS, é uma aula de tensão e efeitos sonoros. Para completar, Nolan ainda entrega algumas cenas ACACHAPANTES, como a escalada de Bruce ou as múltiplas explosões acontecendo em Gotham. Acompanha tudo isso uma montagem ágil, que confere bastante dinamismo às sequências e OPRIME o coração do espectador com o suspense quando acompanha eventos paralelos, e uma trilha descomunalmente épica, tão emocionante em momentos mais contidos e tão grandiosa nos momentos de ação que eu juro que vi uma caixa de som do cinema CHORAR.
Já o elenco dá o brilho costumeiro ao filme do morcegão. Christian Bale volta a ilustrar as diferenças entre Bruce Wayne e Batman no tom de voz e na postura, trazendo, desta vez, a frustração de encontrar um oponente fisicamente superior (e a cena onde ele grita com Bane no final é digna de brindes com cervejas belgas). E por falar em Bane, Tom Hardy consegue construir um vilão perigoso e interessante apenas com o olhar e a voz (cujo tom varia entre o desprezo e o sarcasmo), além de manter uma postura sempre relaxada, o que realça sua autoconfiança. Gary Oldman e Morgan Freeman continuam carismáticos, Anne Hathaway é uma obra de arte tão linda que devia ser exposta no LOUVRE e Joseph Gordon-Levitt confere personalidade e força a John Blake. E há, claro, Michael Caine, que, mesmo aparecendo pouco, transborda talento nas duas cenas mais tocantes do filme.
Assim, mesmo com as pequenas falhas, Batman - O Cavaleiro das Trevas é um excelente desfecho para uma poderosa trilogia. De 2005 pra cá, Nolan mostrou um homem-morcego complexo, desafiador, heróico, em uma Gotham City completamente crível. Uma abordagem realista que pegou todo mundo de assalto, realizando a rara combinação de agradar público e crítica - tanto que acabou influenciando outras franquias cinematográficas (abraço, Sherlock Holmes e Casino Royale). Então, se formos parar para pensar, temos um diretor que realizou uma trilogia inesquecível, nocauteou bilheterias mundo afora e cativou críticos por tudo que é canto. Ou seja, o único herói maior do que o Batman aqui é o próprio Christopher Nolan.
A Tragédia do Morcego?
Contém spoilers.
Completamente tomado por A Origem, Nolan resolveu deixar um final mais ou menos "dúbio" em Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, quando Alfred vai à Florença e vê o seu antigo patrão. A ideia de que Bruce Wayne ainda está vivo é perfeitamente plausível (ainda que exija bastante suspensão da descrença) se formos analisar os elementos que o filme apresenta (a nave sobrevive, o piloto automático estava consertado, havia aquele software que limpava os registros das pessoas nos arquivos públicos), ainda mais considerando que, se existe uma pessoa que Bruce gostaria de avisar caso estivesse vivo, seria o mordomo metido a engraçadinho.
Mas existe outra interpretação que acho mais interessante. Ao longo da trilogia, vamos aprendendo que Bruce Wayne é o verdadeiro disfarce do Batman, e não o contrário: em Batman Begins, Rachel fala para o bilionário "essa é sua verdadeira máscara"; em Batman - O Cavaleiro das Trevas, ela escreve em uma carta que jamais chegará o dia em que ele não vai mais precisar do Batman; e em Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, Alfred chega quase ao desespero ao ver que seu patrão não consegue seguir a vida apenas como Bruce Wayne.
Nesse caso, o piloto automático consertado seria prova não de que o herói sobreviveu, mas sim de que percebeu sua situação. Percebeu que jamais conseguiria seguir em frente, levar a vida, e desistiu de tentar, preferindo criar uma inspiração que motivasse a cidade (um sacrifício parecido com o que ele fez no segundo filme, mas dessa vez pra inspirar algo, e não pra esconder algo). Assim, a cena envolvendo Alfred seria uma ilustração de tudo isso: somente na morte Bruce conseguiu superar os traumas, as perdas, as dificuldades, a dor. Só assim ele conseguiu escapar da sombra do Batman.
Uma interpretação dolorosa. Mas, acredito, muito mais poderosa e compatível com essa figura trágica que conhecemos nestes três filmes inesquecíveis. |