Desde que foram lançados os smartphones, todos os celulares que eu tive sempre realizaram no máximo três funções: cair no chão, tocar música e fazer e receber chamadas. E, ao longo destes poucos anos, pude contar com a companhia de um número considerável deles, já que todos se comprometiam de alma e coração com a primeira tarefa. Daí sempre que eu desbravava as ruas desta capital, Mark Lanegan definindo a vida com voz rouca e distorção nos fones de ouvido, e o tocador de música chegava em uma que eu não queria ouvir (vocês sabem qual, aquela que a gente nunca ouve mas deixa na lista porque um dia já gostou muito e tem pena de tirar), o ritual era o mesmo: bolinar o aparelho até achar o botão de pular a faixa e, bem, pular a faixa.
Mas o último membro dessa raça que eu adquiri é um daqueles celulares dopados de ecstasy e que têm necessidade de serem tocados (acho que "touchscreen" é o nome científico). Não que eu esteja reclamando: ele ainda cai no chão, toca música e liga normalmente. Só que obviamente o ritual de pular a faixa é mais complicado, porque o botão é tipo o título mundial do Corinthians, ele não existe no plano físico. Eu preciso puxar o telefone, ligar, ver na tela onde é o botão semi-imaginário e apertar naquele local acreditando que ali existe um botão (normalmente funciona). Mas isso me fez perceber, com o tanto de tablets, smartphones, coisas touchscreens, nintendos wiis, kinnects (onde o ato físico é substituído por uma simulação chinfrim) etc, que o sentido do tato parece meio escanteado nesse século XXI. Uma pessoa paranóica poderia inclusive pensar que há uma conspiração para eliminar o tato. E, como bom paranóico, tenho algo a dizer a vocês: existe uma conspiração para eliminar o tato.
Claro, talvez muitos já tenham identificado a falha monumental nesse raciocínio, a procriação maciça de academias por todas as cidades do universo. Elas surgem a cada esquina, sem aviso nenhum, praticando bullying estético na galera e fazendo com que você se sinta mal por ter tomando um cerveja ALENTADORA após um dia de trabalho infernal (academias são como a gripe: se proliferam em qualquer lugar, atingem todo mundo e, quando pegam um hospedeiro, o deixam de cama por vários dias). Ora, se as academias, ápices da obsessão pelo físico, estão crescendo mais do que a China, como pode existir uma conspiração para eliminar justamente a parte física da nossa existência?
A questão é que os nerds, essas grandes odes ao sedentarismo e à obesidade, estão por trás dessa conspiração. Eles que eliminam os botões, os movimentos e querem um dia fazer tudo controlado por voz. Eles que buscam o mundo da preguiça total, porque é o cenário ideal (o único, na verdade) onde podem ser os cools e pegar mulheres. Percebendo isso, os marombeiros estão arquitetando um movimento de resistência que busca construir justamente a cultura do físico, do anti-sedentarismo. E os dois grupos continuam a crescer, aumentando suas fileiras com mais e mais combatentes para a derradeira batalha.
Quanto ao resto de nós, que não podemos ficar brincando de ideologiazinha porque temos uma vida a viver, resta esperar pra ver quem sairá vencedor dessa disputa: smartphones ou supinos. |