Pirataria é algo extremamente complexo de se discutir, e, honestamente, não sou a pessoa mais equipada para adentrar tais territórios de argumentação. Entretanto, me parece que ela nem sempre se origina de um aspecto negativo, de conseguir algo de graça e se achar esperto por isso; muitas vezes, a pirataria advém de uma vontade sobre-humana de compartilhar algo, uma necessidade de dividir com outros determinada obra de arte, transformando o ato em uma verdadeira experiência cultural.
Digo isso porque eu simplesmente preciso compartilhar com vocês um pequeno texto do livro Atlas, de Jorge Luís Borges (sobre o qual já falei aqui). Aliás, espero que isso leve todos a comprarem a obra, pois o que vocês vão ler abaixo é apenas uma parte de um verdadeiro baú repleto de diamantes:
o brioche
Pensam os chineses, alguns chineses pensaram e continuam pensando que toda coisa nova que há na terra projeta seu arquétipo no céu. Alguém ou Algo tem agora o arquétipo da espada, o arquétipo da mesa, o arquétipo da ode pindárica, o arquétipo do silogismo, o arquétipo do relógio de areia, o arquétipo do relógio, o arquétipo do mapa, o arquétipo do telescópio, o arquétipo da balança. Spinoza observou que todas as coisas querem perdurar em seu ser; o tigre quer ser um tigre, e a pedra, uma pedra. Eu, pessoalmente, observei que não existe nada que não tenda a ser seu arquétipo e às vezes o é. Basta estar apaixonado para pensar que o outro, ou a outra, já é seu arquétipo. María Kodama adquiriu esse grande brioche na padaria Aux Brioches de la Lune e me disse, ao trazê-lo para o hotel, que era o Arquétipo. Imediatamente compreendi que tinha razão. |