Ao longo da história da humanidade, muitos preconceitos foram criados, multiplicados e depois vencidos. Contra as mulheres, contra os negros, contra a utilização de dois volantes, enfim, idiotices que a galera aprendeu a superar e hoje são parte natural da nossa rotina. Entretanto, entre os vários preconceitos que ainda espalham balbúrdia mundo afora, um é o mais cruel e desumano e impensado de todos. E se faz presente toda vez que alguém diz "mas é um guri de apartamento mesmo".
Como vocês podem imaginar, sou um guri de apartamento. E muito me orgulho disso. Duvido que socializar com amigos da mesma idade, pra brincar de peão e pique-esconde na rua, construa um caráter melhor do que ver Sessão da Tarde comendo Trakinas de morango. Poucos ensinamentos ao ar-livre são mais filosóficos do que os devaneios do Homem-Aranha pela Big Apple. Nenhuma tática de sobrevivência sobrepuja a estratégia de ALOCAR o adversário no canto e disparar Hadoukens como se não houvesse amanhã, deixando o Shoryuken engatilhado para ANIQUILAR OSSOS HUMANOS SEM PIEDADE. Sim senhor, um guri de apartamento tem todas as artimanhas necessárias para atravessar a vida sem sobressaltos.
Claro, volta e meia o mundo exterior clamava pela nossa presença, em grandiosas e desconcertantes partidas de futebol (motivo mais nobre que existe para fazer qualquer coisa), onde a exuberância de nossos aprendizados INDOOR era mais que suficiente para declarar os outros como perdedores. De resto, nos perdíamos em alucinantes partidas de Rock'n Roll Racing, enchendo a cara de Coca-Cola, gritando uns com os outros bordões de filmes conhecidos e entrando em DEFCON 1 toda vez que o narrador berrava "LET THE CARNAGE BEGIN!".
Esses somos nós, os guris de apartamentos, que não empinaram pipa, não jogaram peão, saíam à rua apenas nos veraneios e jogos de futebol, e viviam dentro de toda a liberdade que sua imaginação alcançava. E jamais subestimem quem passou a infância desbravando a magia dos aparelhos eletrônicos: nessa época digital em que vivemos, são eles que já tem as mãos calejadas de tanto capinar e explorar o mundo virtual.
Praticantes de Mega Drive, praticantes de Super-Nintendo, praticantes de NEO-GEO, uni-vos. Esta pequena bola azul há de ser nossa. É tudo uma questão de saber usar a devastadora tática do "meia lua pra frente + soco" na hora certa. |