Enquanto milhares de pessoas pulam, cantam e amaldiçoam seus rivais, eu fico parado, olhando para o campo com o mau humor que sempre me acompanhou – se bem que não é nada surpreendente, já que o meu time amarga uma derrota de 1 a 0 enquanto um simples empate bastava para a classificação.
Isso, é claro, não afeta o resto da multidão, que segue festejando com um otimismo incalculável. Muitos deles me dão olhares de desprezo por eu não estar fazendo parte da festa, e a minha vontade é gritar dizendo “Quem vocês pensam que são? Eu já estava passando frio aqui muito antes de qualquer um de vocês fazer o primeiro download da sua vida!”. Mas o esforço parece demais e eu me concentro no que acontece dentro das quatro linhas, mascando o chiclete com mais ou menos força de acordo com a ocasião (atitude igual à do nosso centroavante, diga-se de passagem, cuja única movimentação em 80 minutos de jogo foi o sobe-e-desce da mandíbula).
Fico pensando se aquela festa da torcida não é algo a parte; se ela independe do jogo para ter vida própria. Pois se todos estivessem concentrados no que acontece, estariam tão tensos quanto eu. E, enquanto a cantoria envolve as milhares de pessoas presentes em um espetáculo de tirar o fôlego, só consigo imaginar os motivos que o técnico teria para escalar apenas um volante, ao invés de colocar outro para ter dois jogadores distribuindo pontapés ali no meio.
Isso pelo menos até o momento que o centroavante cospe o chiclete e, aproveitando aquele que é um dos piores lançamentos que já vi, faz o gol de empate. A massa ruge, perdendo completamente os sentidos - mas dessa vez vou com eles, faço parte da insanidade coletiva. O gol é o único momento em que milhares de pessoas realmente concordam, sem opiniões divergentes ou reclamações de que poderia ter sido melhor (as que torcem pro mesmo time, claro). É aquele espaço de tempo em que todos estamos presos dentro da mesma bolha de euforia, onde cada um faz questão de olhar para o irmão ao seu lado, abraçá-lo, distribuir afeto e multiplicar alegria em uma velocidade incalculável. É quando milhares de corações transbordam de exaltação e despejam esse sentimento em qualquer um que esteja no raio de alcance. O gol é o mais perto que a humanidade já chegou da paz mundial.
Mas assim que a partida recomeça, claro que já estou no meu mundo particular, na minha torcida particular, me perguntado por que diabos o técnico não coloca um terceiro volante. Enquanto as pessoas cantam a vitória que ainda não chegou, eu vivo a agonia da espera. Sou o outro lado da moeda, o equilíbrio da balança, o racional no meio da emoção.
Pelo menos até o próximo gol. |