Estou com uma afta na boca. Bem ali no canto superior esquerdo (no meu canto superior esquerdo), no outro lado do lugar da bochecha mais utilizado (onde as pessoas dão os beijos de cumprimento, onde eu bato sem querer quando estou caminhando no escuro). Surgiu do nada a desgraçada, tal qual aquele motorista que, atrasado pra algo menos importante do que ele realmente acha que é, desdenha do sinal vermelho e arremessa o carro na faixa de segurança.
Quase simpatizo com ela, entretanto. Se for parar pra pensar, a afta é como uma versão do tecido conjuntivo para a história da Davi e Golias: pequena, humilde e subestimada, ela com frequência derruba adversários muito maiores (já comeu alguma coisa salgada com uma afta na boca?) - e, pior, o faz sem nenhum esforço, apenas sendo ela mesma. Tipo, mesmo parada, a dita-cuja consegue alterar a realidade ao seu redor. É telecinésia pura.
Mas todas essas virtudes são aniquiladas pela personalidade insidiosa da afta. Quando o cara menos espera, quando tá tudo bonito e perfeito, quando ele tá correndo em câmera lenta pra abraçar a Rachel McAdams na praia, essa despeitada vem na ponta dos pés, tira uma lança afiadíssima Deus sabe de onde e a crava sem piedade no seu hospedeiro. Não há como se preparar, não há como evitar. Assim como a vida, a afta vem do nada e te joga na sarjeta.
E não, esse texto não é uma metáfora sobre relacionamentos. |