Tem a história desse Cara, cuja família viajou pra passar o Natal em uma praia quente e cheia de pessoas sem paciência para tirar férias. Por questões de trabalho, o sujeito não pôde viajar como havia planejado - e se ficar sozinho já é ruim, ficar sozinho nas festas de fim de ano é mais deprimente do que ligar o rádio esperando ouvir música boa.
Mas enquanto todo mundo pendurava o espírito natalino nas árvores, colocava ele em sacolas de marca para dar de presente ou utilizava como apelo de venda, o Cara encontrou a solução: a festa de uma amiga de sua irmã. Tudo bem, a única coisa que ele conhecia a respeito do evento era que, de acordo com as Leis da Probabilidade, novas definições de “chatice” seriam criadas lá. No entanto, até mesmo o tédio é mais interessante do que a tristeza de assistir os especiais de final de ano na TV.
Decidiu arriscar tudo e ir até a festa. Após uma hora de celebração, a anfitriã anunciou o início do buffet. A passos rápidos, mas fingindo desinteresse, embora fosse a parte da festa que mais lhe interessasse, o público se dirigia para os pratos. O Cara foi com eles, esperando na fila até o momento em que, finalmente, poderia desfrutar da bela ceia que fora montada.
No entanto, enquanto cortava um pedaço de presunto, uma coisa lhe ocorreu: alguém havia dedicado tempo e esforço para montar esse prato. E fez um belo trabalho. E simplesmente deixou ali, para qualquer um que quisesse pegar. Alguém havia feito seu melhor, e estava colocando à disposição sem cobrar nada em troca, para um bando de pessoas que sequer conhecia.
O Cara raciocinou um pouco, e decidiu que isso estava soando muito como espírito natalino – o que era ridículo, pois tratava-se apenas de uma culinária. Como é que uma comida iria despertar uma sensação dessas? Não, ele pensou, algo está errado, e olhou em volta procurando uma pessoa que parecia sábia, um cartaz com frases de Natal, uma citação de algum filósofo... Qualquer coisa que pudesse lhe despertar esse espasmo de solidariedade, altruísmo e boas ações de forma plausível.
Em vão. Era uma festa de Natal como todas as outras, com convenções sociais demais e preocupações solidárias de menos. Foi só o presunto, mesmo. O Cara não pode deixar de soltar um sorriso ao perceber que todos aqueles comerciais de televisão e livros de auto-ajuda poderiam estar certos, pois as pequenas coisas da vida realmente fazem a diferença – afinal, em uma festa vazia de significado, uma simples receita o lembrou de tudo que ninguém deveria esquecer.
Seus pensamentos foram interrompidos por um sujeito gordinho e afobado, que em um tom de voz agressivo mandou ele se apressar, pois tinha gente na fila, porra, e todos queriam se servir. O Cara olhou pra ele um tanto surpreendido. Mas, com calma e sorrindo, cortou uma fatia de presunto, largou educadamente no prato do gordinho e desejou um Feliz Natal.
Após ouvir a resposta, um solene “eu quero uma fatia maior, droga”, se dirigiu com certa expectativa aos pratos principais. A ceia estava apenas começando, e agora o Cara sentia-se com fome de Natal. |