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Casualidades - Parte 1
André - 22 dezembro 2007 - 14:25
Carlos viu apenas um borrão branco antes de pisar no freio. Teve tempo para girar o volante e torcer pelo melhor - uma surpresa para alguém que coloca o pessimismo acima de tudo. O carro virou, enquanto seu motorista estava preso no lento espaço de tempo que antecede o inevitável. E só então bateu.

As pessoas saíram do mercado ali perto para ver o que tinha acontecido. O cenário não era exatamente de tragédia – o choque fez muito mais barulho do que estrago -, mas foi o suficiente para fazer com que aquela gente toda tivesse algo a dizer quando chegasse em casa. Carlos abriu a porta e desceu cambaleando, mais afetado pela tensão do que pela batida em si. Apenas depois de passar alguns minutos recostado no veículo é que conseguiu se recompor e raciocinar, verificando se existia alguma dor forte em seu corpo, algum osso quebrado ou uma ferida fatal. Nada, a não ser um leve corte no pescoço feito pelo cinto de segurança, equipamento que mostrou não ser nem um pouco superestimado como ele pensava.

Caminhou em direção ao outro carro, que já estava rodeado de gente. Uma mulher estava sendo escorada para fora, com alguns cortes no rosto e caminhando com certa dificuldade, mas visivelmente consciente e bem. Carlos sentou-se no meio fio, tremendo ainda, e aceitou o copo de água que lhe ofereceram. As pessoas continuavam falando e perguntando sobre o acidente, mas ele mal ouvia as vozes: estava perdido em pensamentos, lembrando de todas as coisas ruins que aconteceram no último ano e agradecendo por ter saído ileso de um acidente – por um momento, imaginou que a batida seria a cereja do bolo em um ano que já estava particularmente ruim com o divórcio, a perda da custódia das crianças e a morte de sua mãe. De repente, tudo pareceu vir à tona, e ele se deu conta de que não havia realmente estado lá quando as coisas aconteceram, tudo que fez foi sobreviver aos fatos da melhor forma que conseguia, e muitas vezes isso incluía distanciar-se.

Lembrou de tudo isso e perdeu o fôlego, de tão forte que foi o golpe. A multidão já estava se dissipando quando uma mulher se aproximou, botou a mão em seu ombro e perguntou com um sorriso se ele estava bem mesmo. Carlos não resistiu e começou a chorar.

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Conto em seis partes, que vão ao ar todo sábado.
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