Dia desses eu perambulava pela calçada da Praia de Belas quando me deparei não com uma pedra no meio do caminho, mas uma escada. Seu ângulo de inclinação em relação ao chão era bem diminuto, fazendo com que a base dela ficasse quase no meio-fio. Ou seja, o triângulo retângulo formado pela dita-cuja ocupava praticamente todo o espaço da calçada, uma forma geométrica egoísta que se adonou de um local público de forma tirânica, sem se preocupar com os transeuntes. Entretanto, considerando que é um triângulo retângulo sem massa, cujo conteúdo é tão invisível quanto um sujeito legal no campo de visão romântico feminino, não há problema em atravessar, certo? É só passar por baixo da escada.
Foi o que pensei, mas, conforme me aproximava da região, o senso comum veio como uma solteirona e se apegou a mim sem piedade, dizendo que passar por baixo dá escada dá azar. Aos 29 anos, era de se esperar que eu não acreditasse mais em bobagens tipo azar ao passar por baixo da escada ou democracia, mas sei lá, anos e anos de senso comum praticando o bullying não são levianamente descartados. Eu poderia resolver o dilema passando por fora dela, mas o espaço que sobrava de calçada era extremamente reduzido, e, com a movimentação frequente dessas liberações do ID apelidadas de "carros", havia uma possibilidade de que eu fosse levemente atropelado - o que, convenhamos, provavelmente é algo mais relacionado à palavra "azar" do que passar por baixo da escada.
Em poucos segundos, um dos maiores conflitos da alma humana me deu uma rasteira e segurou meus braços: aquele onde precisamos decidir abandonar crenças absurdas, quase infantis, e enfrentar a realidade de que não há magia ou mistério neste mundo - para o mal e para o bem. Conforme eu caminhava em direção àquele momento divisor de águas, buscava confrontar os dois lados em termos de benefícios, da escolha que mais beneficiaria meus caminhos a partir dali: por um lado, quero ser mais uma daquelas pessoas cínicas, cujo objetivo é desfazer qualquer vestígio de imaginação em prol de um mundo cientificamente chato, monótono, onde a realidade é construída apenas com elementos naturais, mas cujas decisões são psicologicamente mais saudáveis e mais simples? Ou quero ser alguém que entra em conflito sempre que algo assim aparece, buscando uma solução complexa para um problema básico, risível, arriscando talvez até alguma ameaça à minha estrutura física, mas que consegue enxergar no mundo mais do que átomos e moléculas e combinações químicas?
Refleti fortemente a respeito dessas duas opções, atirando uma contra a outra, imaginando novos cenários, prós e contras, futuros benefícios. Fiquei tão envolvido nisso que, quando percebi, já havia passado pela escada. Não sei se por baixo ou pelo lado dela.
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