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Por acaso
André - 04 setembro 2011 - 02:19
Gaius Seneca brandiu a espada e o escudo com firmeza, alternando ambos no meio da batalha com espantosa habilidade. Ao seu redor, sangue jorrava, gritos de dor ecoavam, lâminas dançavam pelos exércitos em um balé sangrento. Gaius erguia-se imponente. Era o melhor guerreiro da Legião. Havia recebido o melhor treinamento, se aplicara mais do que todos, alcançara o nível máximo em todas as disciplinas exigidas pelo exército e continuava treinando diariamente, sem descanso. A batalha era sua vida. O resultado disso ficou claro na trilha de corpos que deixava atrás de si. Até que subitamente tropeçou em uma ínfima pedra à sua frente, e, enquanto caía, ouviu o zunido de uma lança que passava centímetros acima de sua cabeça.

Centenas de anos depois, Javier, um competente cirurgião espanhol e entusiasta de exercícios físicos, escorregou durante sua caminhada matinal e bateu de cabeça na calçada. Acordou três horas depois, em uma cama de hospital, com a esposa e os dois filhos preocupados ao seu lado. Então o médico de plantão entrou no quarto e explicou que Javier havia sofrido um leve traumatismo craniano, mas que não era nada preocupante. E explicou também que o cirurgião, por sorte, batera a cabeça na rampa de acesso dos cadeirantes à rua, e não na quina da calçada propriamente dita, que estava apenas a alguns centímetros de distância, onde, graças à estrutura maciça e quase pontiaguda, o choque certamente teria sido fatal.

Nenhum deles sobreviveu à descoberta de que suas vidas são regidas pelo acaso, algo que todos sabem, mas poucos realmente conhecem. Percebendo que sua sobrevivência era fruto de pura sorte, e não técnica, Gaius compreendeu que o treinamento militar era falho por natureza, pois a única arma útil em uma batalha é a onisciência e certamente não havia como transformar soldados em deuses. Assim, abandonou a legião. Foi chamado de covarde e traidor, e procurou abrigo no doce conforto do vinho. Embriagava-se noite após noite, e, uma vez bêbado, saía pela rua e fazia os transeuntes tropeçarem, no desespero de encontrar alguém que o entendesse e o libertasse de sua solidão. Morreu quando, numa dessas desventuras, topou com um desconhecido de temperamento agressivo e adaga desembainhada que achou que estava sendo atacado.

Javier voltou ao trabalho, mas não conseguia se libertar da ideia de que fora salvo pela boa fortuna, e não pela medicina. Logo parou de estudar e se atualizar e realizava as cirurgias de olhos fechados, sem ver o que fazia, esperando que o mesmo acaso que o salvou o levasse a salvar seus pacientes. Quando finalmente perdeu sua licença, sua ambição aumentou e ele passou a ter certeza de que havia um jeito de encontrar o sentido da existência por pura sorte. Começou a enlouquecer cada dia mais. Sua esposa e filhos já o haviam abandonado quando Javier, momentaneamente distraído por achar que o sentido da vida voava harmoniosamente por uma calçada, tentou atravessar uma rua movimentada. Testemunhas relataram que o homem virou a cabeça para olhar uma sacola plástica esvoaçando e não viu o veículo que cruzava a rua rapidamente.

Desconheço se as duas histórias são verídicas ou se possuem alguma relevância. Descobri elas rabiscadas à mão em uma folha de papel velha, amarelada, que por acaso encontrei abandonada em uma calçada enquanto ia para o trabalho.
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