O show do Paul McCartney foi meio que uma grande reunião de paradoxos: a lenda viva que também era um carismático e simpático senhor usando suspensórios; a pirotecnia moderna que enfeitava, completava e engrandecia obras de arte antigas e históricas; a solidão no meio da multidão em canções como The Long and Winding Road e Something; a experiência completamente pessoal que vinha de músicas sendo executadas para dezenas de milhares de pessoas.
Talvez porque a situação toda foi tão espetacular que, mesmo tendo presenciado o evento, eu possa defini-lo apenas como "inacreditável", criando aí o maior paradoxo de todos. Porque mesmo descrevendo minuciosamente tudo que eu vi, tudo que eu ouvi, mesmo reconstruindo o cenário com perfeição, ainda assim não serei capaz de expressar um milésimo de tudo que eu senti. Foi um daqueles momentos que sobrecarregam completamente a nossa percepção, invertendo os sentidos, desafiando o racional, construindo ligações entre pessoas que jamais haviam se visto antes. A certa altura, o estádio sumiu, tudo que era material foi diluído, e durante muitos instantes o que ficou no local foi apenas música no seu estado mais apaixonante.
Dizem as más línguas que as pessoas usam apenas 10% do cérebro no dia-a-dia. Pois bem, o show do último domingo desmentiu de vez essa falácia: para compreender aquilo que estava à sua volta, os presentes precisavam de cada sinapse, cada nervo, cada célula do seu corpo dando o máximo de si. E como recompensa, recebiam doses cavalares de uma droga que não pode ser vendida nos morros ou nas esquinas: o arrepio de conseguir acreditar em algo inacreditável.
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