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Seu papel na vida
André - 12 setembro 2009 - 16:18
Se você pratica o ócio criativo de forma exagerada (leia-se “desempregado”), sabe que sua vida está amarrada a uma circunstância específica, uma ditadura de palavras bem arranjadas, um coletivo de informações sobre a sua pessoa chamado de “Currículo”. É isso mesmo. Embora o lema “não julgue um livro pela capa” seja muito bonito, é uma folha de papel que vai fazer a diferença entre ter dinheiro pra ir no cinema ou ficar jogando videogame em casa (até porque a situação ideal, jogar videogame na tela do cinema, não existe, assim como sexo sem conseqüências e a objetividade do Robinho).

O Currículo nada mais é do que a sua vida vista pelo capitalismo. Porque a última coisa que interessa ali é se você é uma pessoa decente – não adianta colocar no documento, por exemplo, que certa vez você salvou um gato de uma árvore ou impediu que Michael Bay lançasse um novo filme. Não adianta colocar que você ficou mais de um ano sem formatar o Windows ou que teve sucesso ao mijar contra o vento. E nem pense em citar a noite com a Dani, aquela morena espetacular cujas pernas roliças poderiam sustentar um edifício de apartamentos. Nada disso faz diferença para eles (sim, o termo é usado com uma conotação conspiratória, uma vez que todos os analisadores de currículos do mundo provavelmente pertencem ao mesmo clubinho. Dá até pra imaginar os caras na sede, jantando um banquete de auto-estimas alheias e degustando copos com sangue de virgens). O que interessa é o que você sabe fazer objetivamente. Cursos, palestras, seminários, essas são as cartas do baralho. E, só pra constar, aquela noite jogando bombinhas no chão com o seu primo não conta como workshop, e não te gabarita para uma vaga em alguma empresa de químicos. Talvez como integrante de alguma torcida organizada.

A grande verdade é que todos seus anos de estudo, trabalho árduo e experiências são resumidos a um número determinado de itens, dispostos em uma seqüência determinada e que vão determinar o seu futuro. No mundo de hoje, uma vida cabe em uma folha de papel – aliás, um simulacro de uma folha de papel, em 99% dos casos. Em certas ocasiões há o portfólio, que faz as vezes daquela camiseta de marca que você veste quando vai encontrar uma mulher bonita, mas no geral a sua bagagem de vida vai ficar presa entre as curvas de uma Times New Roman.

Menos mal que, ao menos, podemos escolher quantas vezes damos “Enter” entre uma linha e outra. Privilégios desse mundo democrático no qual vivemos.
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