Quando eu era bem piá, fui assistir Superman IV no cinema. Lembro perfeitamente de descer do lotação na esquina da José de Alencar com a Getúlio Vargas, de mãos dadas com meu pai, eu de um lado e meu irmão do outro - aliás, o mesmo esquema tático usado quando entrávamos no mar para ir até a arrebentação: conforme as ondas gigantescas vinham, meu pai segurava um em cada mão e, enquanto ele ficava parado, a onda tentava levar eu e o Nando (que parecíamos bandeiras tremulando). Tentava em vão, claro: meu pai nunca nos soltou.
Aproveitei o Master System por muito tempo, mas chegou o inevitável dia em que a evolução era necessária. Então, decididos, fomos até a casa de um conhecido para vender o videogame e ir atrás da nova geração eletrônica. Efetuada a transação, meu pai disse que iria olhar os preços do Mega Drive para ver onde era mais barato, e achava que no máximo em uma semana estaríamos aproveitando o poder de um 16 bits. Ao chegar em casa, minha mãe mandou que tomássemos banho (literalmente), e ouviu os resmungos de sempre (variações de "agora não") - pelo menos até o meu pai pular para dentro do quarto, gritando "Tchãn tchãn tchãn-tchãn" e carregando consigo um Mega Drive fresquinho (o qual só jogaríamos, claro, após tomar banho). Alguns minutos mais tarde, em êxtase graças ao Super Volleyball, eu e meu irmão nem notamos quando ele se esgueirou até a porta e, gritando novamente "tchãn tchãn tchãn-tchãn", trouxe na mão Ayrton Senna's: Super Monaco GP 2, o Need for Speed da época. Depois de gritar e pular de alegria, ficamos sentados na cama apenas observando, porque meu pai disse que "esse sou eu quem vai jogar primeiro".
Minhas habilidades futebolísticas são reconhecidas mundialmente, mas poucos sabem que já fui campeão de paddle em um torneio Pais e Filhos (evento que aconteceu no Cristal Tennis Center, na zona sul de Porto Alegre. Se quiserem conhecer o lugar, ele fica relativamente perto daquele estádio que teve que tirar o "Fifa" do luminoso). Ah sim, havia o problema de não ser apenas um filho, mas dois: bem, meu pai encheu tanto o saco dos organizadores que eles não se importaram, e cada um jogava uma partida. Só que um dos progenitores adversários não curtiu muito a idéia e começou a rebater bolas cada vez mais fortes em cima de mim - o que, considerando a diferença de idade e imposição física entre ambos, pode ser classificado como "covardia". Pois o psicopata não estava nem aí e continuou com a palhaçada. Quer dizer, continuou até o momento em que o meu pai, cujas habilidades estavam anos-luz à frente, deu uma paulada no lado em que o filho do cara estava jogando. A partir daí, ele despsicopatizou. E nós vencemos.
Teve também as milhares de vezes em que ele gritou "Meeeeeeesa" quando o almoço ou janta estavam servidos, ou um "tu é foda" sussurrado baixinho no meu ouvido quando passei no vestibular, ou o "guris, é hora da aula de inglês" quando ele nos chamava para assistir Swat Cats (desenho que não tinha dublagem nacional na época), ou as implicâncias com a minha irmã, ou as engembrações com os cabos da net, ou aquela vez que ajudamos ele a fabricar lonas para freios, ou as milhares de piadas, ou as viagens para Gramado, ou qualquer um desses eventos sublimes que, na hora, não provocam mais do que um sorriso.
Pois me ocorreu que talvez esses momentos nunca terminem: eles se reúnem e formam uma espécie de essência, viajando pelo universo até encontrar aquela pessoa especial que não está mais aqui - e, com tantas lembranças, essa pessoa se irradia de felicidade e torna-se uma estrela.
Existem fatos científicos que contradizem tal idéia, eu sei, mas seria legal olhar para o horizonte e imaginar que lá existe mais do que pedras e gases. Afinal, rochas sempre serão rochas, e nuvens sempre serão nuvens, mas nós somos seres iluminados que vão além da simples definição de existir, porque carregamos a capacidade de ser a pessoa mais importante do mundo para alguém. E se um de nós consegue cativar tanta gente de forma tão intensa, como meu pai fez, então essa pessoa deixa um pedaço de si neste planeta, criando também um pouco de vida além da arrebentação, nos aparelhos de videogame, nas mãos que caminham juntas ou em um simples torneio de pai e filhos.
Pai, obrigado por ter me dado uma ótima vida. Nos encontraremos de novo um dia, tenho certeza, mas enquanto isso pode levar o amor e carinho de todos. Assim, sempre que a saudade apertar um pouco o coração, vou saber que uma daquelas estrelas no céu também estará derramando uma lágrima, preparada para gritar "Meeeeeeeeeesa" toda vez que o almoço estiver pronto. |