Saía. Faltavam 5 minutos para terminar seu horário normal de trabalho, decidiu sair 5 minutos antes sem dar bola pra nada, afinal de contas era uma sexta-feira, e sextas feiras são feitas de transgressões. Todas elas.
o chefe o parou no corredor, perguntou se ele tinha mais um tempinho porque tinha pintado mais um trabalho e o cliente queria pra hoje ainda. A pergunta saiu como uma ordem. Dentro da cabeça, milhares de ofensas surgiram, pensou inclusive em dar-lhe um tabefe ao pé da orelha, chutar seu saco e espancá-lo até que um sorriso surgisse em seu rosto, e pudesse calmamente ir embora.
Pensou em inventar que a mãe estava doente, que precisava comprar alguns remédios antes que a farmácia fechasse. Não fosse o fato de todas as farmácias ao redor serem 24h e de que sua mãe já havia falecido a menos de seis meses, seria uma boa desculpa, com certeza.
A profusão de idéias, desculpas, ofensas e saídas foi tanta que por alguns momentos deixou um vácuo nos pensamentos, suficiente para uma tomada de decisão inconsequente digna de uma sexta-feira. Deu dois passos, esbarrou no ombro direito no chefe, que caiu embasbacado. Foi rápido em direção à escadaria e, correndo, pulou os primeiros três degraus que o levariam à liberdade.
Eram só dois andares a serem descidos antes da saída. No caminho, encarava os olhares perdidos e duvidosos que seus colegas o dirigiam, mas ignorava-os logo em seguida, para não perder-se nos degraus e sofrer um tombo que, pela velocidade com que seguia, poderia ser fatal. De três em três, às vezes quatro, os degraus iam sendo ultrapassados.
Atingiu o térreo, agora era só pegar o corredor que levava ao hall e cruzar a porta de vidro em direção a parada. O segurança avistou-o e, sem entender muito bem, tentou travar o seu caminho, provavelmente estranhando um funcionário que saía correndo 4 minutos antes do horário. Não teve sucesso: num fôlego só, fechou os olhos e - sabe Deus como - derrubou o segurança, pelo menos 30kg a mais que ele. Coisas de sexta-feira. Viu os tons de laranja e violeta que pintavam o céu no final de tarde. Mas ainda precisava pegar um ônibus qualquer, só então estaria livre. Em uma última olhada para trás, viu o segurança, seu chefe e a recepcionista olhando para ele, o primeiro começou a persegui-lo. Viu ainda a moça feia da limpeza que todo dia perguntava "E a família?" na hora de recolher o lixo, assustada com o que acreditava ser um assalto.
Chegando à parada, um ônibus fez menção de arrancar. Fez sinal, subiu com o carro em movimento, sentou nos bancos da frente mesmo. Todos ainda lá, olhando-o embasbacado. Sentiu algo bom, novo e libertador. Os tons de laranja davam lugar ao escuro do céu num começo de noite aliviado, enquanto sorria rumo a sua casa, à sua sexta-feira, enfim, à liberdade. Resolveu esquecer chefe, segurança e moça da limpeza, relaxar colocar os headphones.