Hotel Ruanda(Hotel Rwanda)
Nota: 4/5
Direção: Terry George; Roteiro: Keir Pearson e Terry George;
Elenco: Don Cheadle (Paul Rusesabagina) Desmond Dube (Dube) Hakeem Kae-Kazim (George Rutaganda) Neil McCarthy (Jean Jacques) Nick Nolte (Coronel Oliver) Fana Mokoena (General Bizimungu) Sophie Okonedo (Tatiana Rusesabagina) Joaquim Phoenix (Jack Daglish)
- As pessoas que vão assistir essas imagens irão dizer "Meu Deus, que horror!" e depois voltar ao seu jantar.
A frase, dita pelo jornalista Jack Daglish, resume bem o que significa a África para o resto do mundo: nada.
No meio de um genocídio que matou quase um milhão de pessoas em quatro meses, Paul Rusesabagina abriu as portas do hotel onde era gerente para salvar a maior quantidade de vidas possíveis. Desde a colonização belga, Ruanda se dividiu entre os Tutsi (minoria) e os Hutu (maioria e na época no poder), que através dos anos cultivaram um ódio sem explicações, mas até então relativamente controlável. Com o assassinato do presidente Hutu após um acordo de paz (não se sabe se foram realmente os Tutsi ou os Hutus os autores do atentado), a milícia Interahamwe provocou e incentivou através do rádio uma verdadeira caça aos Tutsi, um massacre que remete imediatamente às perseguições dos judeus pelos nazistas. É nesse cenário caótico que um homem apareceu e salvou milhares de vidas.
O filme, desde o início, coloca o espectador a par de um grande problema: a ONU não possui força suficiente para deter o conflito e as grandes potências simplesmente não se importam, já que não têm nada a ganhar e ainda lucram com a venda de armas. Através da amizade de Paul com um coronel da ONU, o roteiro dá as informações de forma fluida e natural, buscando tornar cada uma delas útil aos personagens.
Porém, mais do que as implicações políticas, esta é a história de alguém que vendeu tudo o que tinha para salvar sua família e seus semelhantes, independente de serem Tutsis ou Hutus. A realidade que o espectador vive é a mesma dos personagens: trancados em um hotel, sem poder sair e amargando uma provável morte pelos facões da milícia, eles tentam apenas sobreviver em uma guerra que não é sua. E que se torna cada vez mais sangrenta, embora não tenham cenas de violência muito explícita - o diretor prefere mostrar os campos cheios de cadáveres, criando uma atmosfera de desolação.
Ao final do filme, fica a pergunta: qual é o limite? Sério mesmo, qual é o limite? De tudo o que já existe para dividir as pessoas, o que mais nós podemos inventar? Pois a grande diferença entre as duas etnias resume-se a apenas um comprimento maior do nariz. Isso mesmo. Desde que os belgas decidiram que as pessoas de nariz mais comprido seriam os Tutsis, as matanças cresceram. A rivalidade entre os dois grupos não existe de verdade, foi criada. E as consequências foram além do impensável. "Horror" é uma palavra fraca para definir a situação.
Parece um pouco "A Lista de Schindler", né - ainda mais porque Paul é Hutu. E parece mesmo. No entanto, isso não diminui a força da história ou a coragem daquele homem (é uma história verídica), que se fez o que podia e o que não podia por puro instinto de que uma vida é sagrada. Pode até parecer meio piegas, mas em nenhum momento a película cai pro lado do sentimentalismo barato, mantendo-se sempre presa àquela realidade cruel.
E o que mais incomoda nessa história é que se passa em 1994, não na década de 40, 50, 60... Apenas alguns anos antes, no primeiro piquenique dos estadunidenses no Iraque, a CNN trasmitiu ao vivo a chamada "Guerra Videogame". Já o conflito em Ruanda não teve cobertura. Não teve auxílio. Não passou na TV. Ninguém sabia de nada. Oitocentas mil pessoas estavam para morrer e, no resto do mundo, ninguém deu a mínima. É o que a África vale para o resto do mundo: nada. |